A pessoa de Paulo Freire – Memórias

“Na fotografia estamos em Managua, na Nicarágua, em um evento internacional de apoio à Revolução Sandinista. Paulo Freire está entre jovens (é em 1982) que vieram a recriar com ele o que veio a ser a Educação Popular. O que está sentado e humildemente olha para o chão (talvez prestando atenção em alguma formiga passageira), sou eu”, Brandão.

Aqui apresentamos o início de um texto de Carlos Rodrigues Brandão, professor e escritor, nosso convidado no encontro sobre Paulo Freire, tantos anos depois, cujo conteúdo completo poderá ser disponibilizado a quem interessar via e-mail e contato pelo site da EGC. Segundo Brandão, os escritos foram feitos para “voar nas nuvens” e para partilhar livremente. Ele oferece artigos, livros e escritos sobre a educação, a antropologia e a literatura que podem ser acessados e copiados no seu site Partilha da Vida . Numa pequena trova talvez, cordel, pequeno poema, Carlos Rodrigues Brandão resume com poética o que representou e falou seu amigo Paulo Freire.

Viver a sua vida
Criar o seu destino
Aprender o seu saber
Partilhar o que aprende
Pensar o que sabe
Dizer a sua palavra
Saber transformar-se
Unir-se aos sues outros
Transformar o seu mundo
Escrever a sua história

Tantos anos depois

“Bem que eu gostaria de começar este apanhado ao acaso de memórias e depoimentos sobre não tanto a obra, mas a pessoa de Paulo Freire, tratando quem me leia como ele costumava falar. . Paulo usava o “tu”, das pessoas de fala espanhola, dos gaúchos, das paraenses e de mais alguns brasileiros, inclusive do Nordeste. Assim ele deixava de lado o “você”, tão mais nosso, e ao falar nos olhava na cara e dizia: “Tu, Carlos, tu, o que pensas sobre isto?”

O que desejo partilhar com vocês são algumas memórias minhas e alguns depoimentos a respeito da “Pessoa de Paulo”. Pequenos fatos, alguns triviais e quase pitorescos, outros mais sérios, mas sempre pouco acadêmicos e ortodoxos. Convivi com Paulo Freire apenas após seu retorno do exílio. Convivi com suas ideias desde muito antes, quando trabalhava como educador popular no Movimento de Educação de Base e era um “militante engajado” na Juventude Universitária Católica.

Entre voos (alguns longos), viagens por terra, salas de aulas, locais amplos de encontros, congressos e semelhantes, ou mesmo ao redor de uma mesa de bar, nós compartimos horas e horas da vida. O que trago aqui é a memória de fatos e o depoimento de feitos deste homem que de tanto ser lembrado como um militante da educação, um professor e um escritor de livros que ajudaram o mundo a ser melhor e mais consciente de si-mesmo, acabou sendo quase esquecido de ser também uma pessoa que numa mesa de bar, ou em uma viagem de avião, gostava de conversar muito sobre a vida… e muito pouco sobre a educação.

Não pretendo de modo algum escrever aqui um “livro para ser publicado”. Quando ele ficar pronto eu o vou enviar a um ramalhete de pessoas amigas. E desde já gostaria de desafiar aquelas que, como eu, algo tivessem a narrar a
respeito da “Pessoa de Paulo”, que se animassem a somar aos meus, os seus depoimentos. E, às minhas, as suas memórias compartidas. O próprio Paulo gostava muito de se autobiografar em momentos de seus livros. No entanto, observem que são mais memórias de infância e juventude do eu as de quando já era “o professor Paulo Freire”. De resto, em suas inúmeras biografia há muitos momentos de suas memórias. Sem falar na completa e
excelente biografia de Paulo escrita por Ana Maria Freire. Faltam, no entanto, “depoimentos de vida” que em diferentes situações nos ligar a este homem irrepetível.

Campinas, outono de 2018
Carlos Rodrigues Brandão

Um homem conectivo

Em muitas ocasiões a imagem de Paulo Freire colocada na capa de seus livros, em programas de encontros e em trabalhos escritos sobre a sua obra Paulo Freire aparece quase sempre sozinho. E, notemos bem, quase sempre o mesmo rosto de um homem já com os cabelos e as barbas brancas e com um sereno ar de profeta pensativo. São raras as fotos de Paulo Freire mais jovem. Raras também, a não ser em livros biográficos, as imagens de Paulo Freire em meio a outras pessoas.

Ora, esta desigualdade de proporções entre tipos de imagens revela uma falsa realidade. Paulo Freire gostava de dizer de si mesmo que sempre foi “um homem conectivo”. Um “homem-ponte”, um “homem-elo”.Convivi com ele o suficiente para reconhecer que à diferença de intelectuais (categoria da qual ele nunca gostou de pertencer), solitários, ilusoriamente autossuficientes e amantes da mesas redondas com no máximo três pessoas e dos palcos solitários com focos de luzes caindo sobre uma única pessoa, Paulo sempre foi uma pessoa “ao redor de”. E o círculo de cultura sempre foi o lugar mais fecundo e feliz que ele imaginou. Assim como “estar em equipe” foi antes do exílio, durante o exílio e depois dele, até sua partida, o seu lugar de vida e trabalho preferido.

Quantas vezes convivemos situações de partilha de palavras e de ideias, e sou testemunha de que em nenhuma delas ele guardava a pose pedante de que fica em aparente silêncio enquanto as outras pessoas falam, para então esperar o silêncio respeitoso e o foco de todas as atenções para “dizer a palavra essencial do mestre”. Ao contrário, lembro-me de diferentes situações em que sua preocupação eram muito mais a de conectar as diferentes palavras de quem partilhava um diálogo coletivo “ao redor de”, para então dizer “a sua palavra” bem mais como uma síntese do que se disse do que como a sábia e exclusiva fala de quem se guardou para afinal dizer o que todos vieram ouvir.

“Assim era esse homem de quem, se eu ousasse (e eu vou ousar) sintetizar tudo o que ele disse e escreveu sobre o povo e a vocação de quem dialoga para educar, eu escreveria isto:”

Viver a sua vida
Criar o seu destino
Aprender o seu saber
Partilhar o que aprende
Pensar o que sabe
Dizer a sua palavra
Saber transformar-se
Unir-se aos seus outros
Transformar o seu mundo
Escrever a sua história


Um comentário sobre “A pessoa de Paulo Freire – Memórias

  • Na fotografia estamos em Managua, na Nicarágua, em um evento internacional de apoio à Revolução Sandinista. Paulo Freire está entre jovens (é em 1982) que vieram a recriar com ele o que veio a ser a Educação Popular. O que está sentado e humildemente olha para o chão (talvez prestando atenção em alguma formiga passageira), sou eu.

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