Fundamentos da Escola Superior da Paz

(proposta elaborada por Madseilva Feiges, educadora e professora aposentada da UFPR)

A Escola Superior de Paz é o núcleo estruturante dos Estados Gerais da Cultura.

Nasce da necessidade de resistir aos avanços da destruição do patrimônio cultural e artístico imposta por grupos governantes inimigos do direito à acumulação e apropriação da cultura como bem inerente à vida humana.

A Escola Superior de Paz pretende construir uma “doutrina” da paz, do afeto, da igualdade, da liberdade, da autonomia, da justiça social e da solidariedade, via reconhecimento dos valores culturais de populações afrodescendentes, populações ribeirinhas, populações indígenas, quilombolas, juventudes das periferias urbanas, população idosa, população com deficiências e outras, amplamente ignoradas pelas atuais políticas culturais. Igualmente, dar visibilidade para outros seguimentos populacionais como pessoas com transtorno mental, populações carcerárias; refugiados, milhões de trabalhadores informais, crianças, adolescentes e jovens com baixos resultados de aprendizagem, populações expostas às condições precárias de moradia, alimentação e segurança pública.

Enfrentar a violência e a exclusão imposta a estas populações significa (re)construir espaços democráticos como lócus de exercício de múltiplas vozes com a finalidade de reconstruir e recriar suas identidades culturais em condições de igualdade.

 A Escola Superior de Paz nasce da necessidade de recriar espaços abertos ao diálogo, ao trabalho criador resultante do esforço espontâneo e autônomo, onde o processo inventivo possa revelar iniciativas individuais e coletivas com função social reconhecida como direito à criação e à aprendizagem de múltiplas experiências culturais. A necessidade é o princípio que reflete as lutas por transformação.

 Assim, todas as ações formativas da ESP se fundamentam no princípio da horizontalidade, onde o diálogo, além de ser um instrumento de interação entre diferentes pessoas, é também um mecanismo de acolhimento das diferenças e, neste caso, um espaço de criação e recriação da cultura. Pensar a cultura, hoje, demanda romper com atitudes silenciosas e excludentes que perpetuam os graves problemas decorrentes das desigualdades sociais que ameaçam a vida social e emocional da população. A Escola Superior de Paz é um convite para adentrar ao território da Cultura do povo brasileiro.

O maior desafio da Escola que pressupõe realizar itinerários formativos mediados pelas diversas manifestações culturais construídas com base na prática social, portanto, fundada no respeito e reconhecimento às aprendizagens significativas resultantes de processos democráticos que possibilitam o direito ao exercício de voz e voto nas lutas pelo acesso e apropriação dos bens culturais de natureza material e imaterial, em condições de igualdade.

Nesta perspectiva, a Escola Superior de Paz traduz uma visão de mundo que se estrutura em dois grandes eixos: Território e Sociedade entendidos como espaços de produção da existência                                                                                                                                                       humana[1]lócus de criação de bens materiais e imateriais para atender às necessidades da vida humana na perspectiva de Bem-Viver Social[2] enquanto princípio orientador da qualidade de vida para todos – segurança emocional.

A Cultura é produto da existência humana. O ser humano mediado pelo trabalho criativo produz tudo aquilo que a natureza não lhe oferece. Essa produção constitui conhecimentos e saberes que traduzem os campos da Ciência, Tecnologia, Educação e Cultura e, no contexto da Escola Superior de Paz é o fundamento do próprio processo formativo do ser humano.

No entanto, a apropriação e usufruto desses bens ocorre de forma desigual, produzindo injustiças sociais, econômicas, políticas, educacionais e culturais que atuam de forma cruel no modo de vida da população.

A percepção deste cenário de desigualdade e de desconstrução de direitos constitui referências para as lutas pela (re)criação de políticas culturais públicas orientadas por diretrizes capazes de mediar os interesses e necessidades fundados nos princípios da liberdade, da igualdade, da inclusão e da autonomia e da solidariedade como pauta de políticas sociais destinadas às camadas populares.

Assumir essa concepção de políticas culturais tem o propósito de reverter práticas hierárquicas e autoritárias pautadas em relações de poder decorrentes de desigualdades sociais. A supressão deste modelo, por outro concebido em relações horizontais, busca o respeito e o reconhecimento das camadas populares como sujeitos criadores de cultura.

Abre-se, portanto, espaço de diálogo com diferentes sujeitos e diferentes manifestações culturais, de modo, a acolher as demandas de movimentos de resistência à opressão, a todas as formas de discriminação, à xenofobia, (citar outras) como também, abre-se um espaço plural para uma participação democrática pautada no direito à voz, por entender que a produção e organização de processos formativos de natureza cultural são partes constitutivas de uma sociedade justa e democrática.

 Conhecer, reconhecer, valorizar e promover manifestações culturais da população é o nosso desafio. Perguntamos:

É possível criar um espaço onde as camadas populares possam expressar seus desejos e necessidades, ou seja, criar um cenário de “escuta”, de “diálogo” de “trocas” de “invenção”, de “recriação dos elementos culturais já existentes”, com base em relações horizontais, onde o poder seja critério do processo formativo?

A Escola Superior de Paz só pode triunfar junto às camadas populares e fazê-las triunfar, se for capaz de comunicar as possibilidades emancipadoras e a alegria das vivências de conteúdos culturais construídos nos diferentes modos de vida da população. Deve ser uma escola que fale deles mesmos, do seu tempo, do seu mundo, das suas lutas – o que exige uma conexão direta entre o que acontece na sociedade e na escola como eixo metodológico de transformação social, ou seja, espaço genuíno de empoderamento das camadas populares (SNYDERS,1976).

A Escola Superior de Paz estimula sonhos. O sonho, a utopia – é o horizonte que amplia nossas lutas pela defesa da vida e da verdade. Verdade que compreende conflitos e contradições. Verdade que não se resume em declarações individuais, mas se expressa na compreensão da realidade que pode e deve ser transformada em favor da construção de mentalidades coletivas que expulsem o medo de enfrentar as injustiças sociais e, reconfigure a importância do Estado na definição e no apoio às políticas públicas de cultura, saúde, educação, transporte coletivo, trabalho digno com base na cooperação solidária para buscar a distribuição dos bens, do ponto de vista de uma política de inclusão real das camadas populares.

Considerar as experiências relevantes e provocar novas vivências das/nas camadas populares como espaços de autonomia são horizontes de um Projeto Social Cultural comprometido com a qualidade de vida para todos.

A Escola Superior de Paz tem como tarefa educativa

                       “Afirmar os valores de efetiva igualdade, qualidade para todos, solidariedade e da necessária ampliação da esfera pública democrática em contraposição à liberdade e qualidade para poucos, regulados pelo mercado e das perspectivas do individualismo e do privativismo” (GENTILI; SILVA,1996, p.94).

 A ideia de cultura é entendida, neste contexto, como território que busca compromisso com a democracia participativa por reconhecer que o poder nasce da capacidade de todos para construir relações de negociação com base na pluralidade e diversidade das experiências e necessidades das camadas populares. O diálogo é o instrumento que respeita as convergências e as divergências e se constitui em ferramenta metodológica que reconhece processos decisórios, onde os arranjos participativos constituem estratégias para ampliar as formas de deliberação coletiva que postulam o equilíbrio entre as formas de pensar atividades econômicas, educacionais, sociais e culturais.

É neste território que pretendemos combater o padrão que concebe o mundo exclusivamente pela ótica da economia, negando, portanto, o direito à qualidade de vida a milhões de pessoas que não têm acesso à moradia; à saúde; à alimentação saudável e adequada às diversas fases etárias; ao emprego e salário dignos; ao saneamento básico; a uma educação que assegure aprendizagem de qualidade social para todos os estudantes, enfim, atendimento a todas as dimensões da vida humana.

No entanto, no campo de políticas públicas, é interessante lembrar as sábias palavras do vencedor do Prêmio Nobel da Economia de 2001,

“Se por um lado, as políticas orçamentárias tanto podem deixar os ricos enriquecer como também limitar o crescimento da desigualdade, por outro, os programas de despesas podem desempenhar um papel especialmente importante na prevenção do empoderamento dos mais desfavorecidos. (STIGLITZ, 1916, p.141).

Na perspectiva de pensar um outro mundo possível – construir uma sociedade com igualdade de oportunidades para todos com bases democráticas mais fortes que privilegiam as lutas de resistência a qualquer forma de exclusão e preconceitos considera-se, portanto, que as práticas da democracia participativa são aliadas do processo por reconhecer a importância de cada sujeito no processo de reversão das desigualdades sociais. A pobreza e a miséria restringem as condições de aprendizagem.

 Assim, construir na/pela ESP um projeto transformador – uma doutrina emocional fundada nos cuidados com o outro, com a vida (relações com a terra, água, moradia, trabalho digno, saúde, alimentação, segurança pública, mobilidade urbana) – ou seja, na superação das desigualdades sociais, econômicas, políticas e culturais.

   A concepção de trabalho, na sociedade capitalista, fundada na exploração do trabalhador e na precariedade das condições de trabalho, nega, por exclusão, as possibilidade de refletir sobre o trabalho humano como atividade criadora não apenas de bens materiais, mas também de saberes/ conhecimentos artísticos culturais. Esta visão de trabalho humano criador recupera a noção de arte/cultura como como capacidade de exercício da memória, da imaginação, da criação.

 Para compreender a totalidade da vida humana recorremos às próprias dimensões da vida, como estratégia de pensamento para explicitar o que é o ser humano, não apenas nos aspectos corpo e espírito – campo de entendimento da versão conservadora, mas entender de maneira ampla, a produção humana inscrita em dimensões “física” (corpo humano – saúde e qualidade de vida); “intelectual” (capacidade de produzir conhecimento); “emocional” (vivência plena de todos os sentimentos); “social” (relação com o outro, o diverso, o diferente); “afetivo” (relação de solidariedade com as outras pessoas); e o material (garantia das condições de cidadania plena: trabalho, moradia, alimentação saudável, segurança pública, transporte coletivo, educação, lazer e cultura).

A tarefa principal é construir um modo de pensar a paz, que possa resistir e se opor ao pensamento belicoso do atual momento brasileiro, considerando as contribuições de brasileiros que pensaram o Brasil em comunhão com saberes e experiências populares.

Nesta ótica, a Escola Superior de Paz é um canal que expressa múltiplas vozes com base nas contribuições de “pensadores seminais – fonte de novas ideias, novas obras que constituem referências para pensar criticamente a realidade brasileira” em pleno diálogo com os saberes da Cultura Popular, normalmente, “desprestigiados, abandonados, desvalorizados e esquecidos” por parte da Academia. Entre os inúmeros pensadores brasileiros, lembramos: Josué de Castro, Milton Santos, Anísio Teixeira, Graciliano Ramos, Nise da Silveira, Darci Ribeiro, Paulo Freire, Ariano Suassuna, Celso Furtado, Florestan Fernandes..

Dar voz a poetas, repentistas, cordelistas, curandeiras, parteiras, benzedeiras, mestres artesãos, pensadores do uso de plantas medicinais, do meio ambiente, dos povos ribeirinhos, indígenas, quilombolas, populações de periferias urbanas, catadores de materiais recicláveis e outras minorias é o desafio da Escola Superior de Paz:  realizar um processo formativo que privilegie o diálogo entre os conhecimentos científicos e saberes populares.

O currículo formativo da Escola privilegia conteúdos e metodologias fundamentadas nas Dimensões da Cultura, a saber:

a) –  Política e Econômica – faces de uma mesma moeda:

Política: Essa dimensão abrange o exercício da liberdade, autonomia, igualdade de condições, qualidade social da vida, respeito às identidades e participação individual e coletiva em diferentes esferas da vida pública, o que exige, por outro lado, convoca a esfera pública do Estado para garantir tais direitos, de acordo com a Carta Constitucional de 1988.  Neste caso, o Estado é responsável pela proposição de políticas públicas que não podem ser confundidas com políticas de governo restritas ao tempo do mandato de determinado governante.  Se uma política de Governo apresenta caráter democrático, emancipador, inclusivo, então deve ser convertida em política de Estado.

Nesses tempos de governo conservador fundado no conceito de economia – enquanto preservação da riqueza de poucos ricos milionários – é preciso destruir direitos nos campos da saúde, do trabalho, da educação, das comunicações, da cultura da participação política como estratégia sequestradora da humanidade de cada cidadão.  Essa tendência produz uma minoria cada vez mais rica, não produz riqueza do ponto de vista do acesso aos bens e serviços públicos. É justamente neste contexto que são ressignificadas as lutas de resistência das camadas populares a todas as formas de destruição de algumas conquistas. É inadiável o enfrentamento à implantação de ideias aliadas ao pensamento conservador que nega a diversidade, rejeita a identidade cultural pautada na pluralidade de experiências dos povos ribeirinhos, indígenas, quilombolas e populações de áreas urbanas periféricas onde as diferentes juventudes constroem suas formas de lutas recorrendo às múltiplas possibilidades do mundo da cultura. Entender a concepção política, enquanto política de emancipação dos grupos e classe social mediados pelo conhecimento histórico-social-cultural.

Econômica: Hoje, mais que em outros tempos, é preciso evidenciar adisputa entre dois projetos políticos. O primeiro articulado às demandas das camadas populares por democracia e justiça social. O segundo, assentado no binômio Economia e Fundamentalismo Religioso pretende favorecer algumas poucas centenas de milionários e ao mesmo tempo, convencer camadas populares profundamente desiguais, com base na fé.

As lutas por qualidade de vida para todos demanda princípios orientadores da construção coletiva de um “viver-bem” enquanto busca da dignidade humana, que por sua vez, exige acesso à educação de qualidade social como mediação de cidadania: acesso e compartilhamento de bens materiais (saúde, moradia, alimentação, vestuário, transporte coletivo, segurança pública, trabalho); simbólicos (educação, cultura e lazer) e sociais (participação política em condições de igualdade para construir o empoderamento nos campos político/cultural/social/ educacional/ econômico).

A verdadeira cidadania cria condições de existência, conquistar direitos civis, sociais e políticos, desenvolvendo formas de participação na vida real. Partindo desses referenciais, Freire (1995) afirma uma metodologia de construção dos processos fundados na prática social, ou seja, “Como sujeito que se dá ao discurso do outro, sem preconceitos, o bom escutador fala e diz de posição com desenvoltura. Precisamente porque escuta, sua fala discordante, em sendo afirmativa, porque escuta, jamais é autoritária.” (Freire,1996, p.135).

b) –  Ambiental/Espacial: É o espaço onde a vida coletiva se realiza. É marcada pelas lutas de poder que representam duas tendências: decisões verticais (a economia por meio do mercado ocupa lugar central na exploração da população e da natureza como se esses dois elementos fossem meros fatores para produção do lucro; decisões horizontais assentadas na ideia de vizinhança como chave para interpretar o mundo, conhecer as pessoas, suas diferenças e, também, o que pode produzir aproximações ou distanciamentos. É neste contexto que as lutas por justiça constituem um movimento de defesa de uma vida respeitosa entre humanos e meio ambiente. Para Ailton Krenak (2020),

“A vida atravessa tudo, atravessa a pedra, a camada de ozônio, geleiras. A vida vai dos oceanos para a terra firme, atravessa de norte a sul, como uma brisa, em todas as direções. A vida é um atravessamento do organismo vivo do planeta numa dimensão imaterial. Em vez de ficarmos pensando no organismo da terra respirando, o que é muito difícil, pensemos na vida atravessando as montanhas, geleiras, rios, florestas. A vida que a gente banalizou, que as pessoas nem sabem o que é e pensam que é só uma palavra. Assim como existem as palavras “vento”, “fogo”, “água”, as pessoas acham que pode haver a palavra vida, mas não, Vida é transcendência, está além do dicionário, não tem uma definição. (KRENAK, 2020, p. 29).

Trata-se, portanto de ressignificar as lutas pautadas na proteção ao meio ambiente como ferramenta de combate à pobreza e a desigualdade social – a face perversa e excludente das atuais políticas públicas com propósitos desenvolvimentistas. É uma tendência que almeja a rentabilização de capitais em nome da geração de emprego e renda. Contudo são extremamente danosas por representarem uma arma de destruição da vida. Nesta lógica, a grande agricultura químico-mecanizada destrói recursos em fertilidade e biodiversidade, enquanto nega a função social da propriedade, fortalece uma ferramenta política governamental que destrói a agricultura familiar, inclusive pela valorização da economia do setor elétrico construindo grandes barragens que excluem grupos populacionais do acesso aos bens gerados por essa atividade econômica, além de destruir as experiências de vida e manifestações culturais.  A expulsão das populações tradicionalmente ligadas à agricultura de subsistência para as periferias das grandes áreas urbanas fortalece o discurso fundado no binômio pobreza-violência que por sua vez, ignora a ampliação do contingente populacional exposto às condições de subcidadania.  Interromper a pressão destrutiva sobre o ambiente começa com a proteção aos mais fracos, ou seja, o direito à vida.

  (Trazer a questão das queimadas, extração mineral, criação de gado –  pastagens, da destruição de populações ribeirinhas, quilombolas, indígenas etc.)

C) – Afetiva – Religiosa: um diálogo possível.

Afetiva: A beleza desta dimensão tem raízes profundas na capacidade criativa do ser humano para construir processos de interação com outros espaços e outras pessoas, criando laços de solidariedade, compartilhando as ideias sobre um mundo melhor como território ilimitado para criação artística capaz de respeitar a pluralidade de manifestações culturais e, ao mesmo tempo, dar visibilidade às lutas democráticas por justiça social e paz verdadeira.

A visibilidade   se funda na capacidade de revelação e não no ocultamento do cotidiano. Cabe perguntar: como percebemos a implacável seletividade de dois pés descalços? A exclusão desaparece no silêncio dos que a sofrem e no dos que a ignoram…ou temem?  É possível sentir vergonha por não perceber e existência de dois pés descalços?

A cultura e suas linguagens artísticas podem tornar visível o que o olhar normalizou. Gentili (2001) explicita sua utopia, “uma sociedade na qual a diferença seja um mecanismo de construção de nossa autonomia e nossa liberdade, não a desculpa para aprofundar as desigualdade sociais, econômicas e políticas” (GENTILI, 2001, p.43).

Religiosa: Partimos do princípio constitucional que assegura direito às diferentes manifestações religiosas do povo brasileiro. É justamente neste contexto de pluralidade de manifestações religiosas do povo que são criados espaços de convivência que respeitam os praticantes e os símbolos das diversas matrizes religiosas (ou não religiosas). As manifestações religiosas são manifestações culturais de um povo.

d) – Mobilidade Urbana: Pensar a qualidade do transporte coletivo como mecanismo de criação de qualidade de deslocamento e de acessibilidade aos centros urbanos, especialmente para as populações das grandes periferias urbanas, não apenas como acesso ao trabalho, mas também como acesso aos diferentes equipamentos públicos e privados de natureza comercial, cultural, educacional e de lazer.

e) – Jurídica:  Assegurar princípios e direitos constitucionais.  Trazer a questão das minorias como Sujeitos dos Direitos Humanos

(Perseguição política, encarcerados, refugiados, política de proteção aos doentes com transtorno mental, aos idosos, mulheres, refugiados, populações LGBTQI+, vulnerabilidade dos trabalhadores informais, a questão disciplinar de alunos da escola pública sendo tratada como casos de medicalização, o enfrentamento às violências às questões de gênero e manifestações religiosas de matriz africana etc.

f) –   Vida e Saúde – O Bem-Viver. Abordar questões referentes à Segurança Alimentar, trabalho digno, Consumo Responsável, saneamento básico, água, luz etc.

g) –  Processos de Comunicação Social. Trazer discussões referentes aos diversos tipos de mídias: Rádio, TV, Jornais, Internet, Redes Sociais etc.

O enfoque a determinada dimensão deve configurar possíveis detalhamentos temáticos como forma de evidenciar o diálogo entre as diferentes dimensões da vida humana.  Esses cuidados são necessários para evitar práticas fragmentadas que, por sua vez, “terminam em si mesmas e não provocam reflexões”. É interessante explicitar “o que é entretenimento e o que é uma atividade cultura reflexiva que desencadeia possíveis mudanças”.

O processo formativo que privilegia a cultura como núcleo de atuação busca o compromisso com a democracia participativa por entender que o exercício do poder implica a capacidade de construir relações de negociação com base na pluralidade e diversidade das experiências e necessidades das camadas populares.

Partindo desse pressuposto, o diálogo é a possibilidade abrir-se ao pensar dos outros. Portanto, o diálogo não pode se converter ‘num bate-papo’ que marcha ao gosto do acaso.

Por tratar-se de políticas públicas culturais, busca-se a construção de um projeto cultural

                “Enquanto desenho de mundo “diferente, menos feio, o sonho é tão necessário aos sujeitos políticos, transformadores do mundo e não adaptáveis a ele, quanto, permita-se-me a repetição, fundamental é, para o trabalhador, que projete em seu cérebro o que vai executar antes mesmo de sua execução.” (FREIRE, 1996, p.92).

Certamente, o método adquire valor relevante neste processo formativo por implicar uma tensão entre liberdade e autoritarismo, entre sonhos e frustrações, entre realidade e utopias.

 Assim, o foco na realidade, enquanto tempo presente exige olhares para a construção do futuro, ressignificando a participação das camadas populares. Paulo Freire (1996) nos lembra que                      

                     “Não é o favelado que deve ter vergonha da condição de favelado, mas quem, vivendo bem e fácil, nada faz para mudar a realidade que causa a favela. Aprendi isso com a luta. “É possível que esse discurso do jovem operário nada ou quase nada o militante autoritariamente messiânico. É possível até que a reação do moço mais revolucionarista do que revolucionário fosse negativa à fala do favelado, entendida como expressão de quem se inclina mais para a acomodação do que para a luta […] onde quer que haja homens e mulheres há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender (p.91).

É preciso Conhecer, Avaliar, Planejar e Intervir na realidade social mediado pelo conhecimento crítico acerca da realidade. Este conhecimento determina visões de mundo. Assim, o diagnóstico é um juízo de valores sobre uma realidade ou uma prática, à luz de um referencial – conjunto de fundamentos teóricos que orienta essa opção. O conhecimento sobre a realidade não pode ser confundido com o mero levantamento de dados sobre a situação, ou seja, a realidade.

Com base no pressuposto: mudar é difícil, mas é possível, há que se considerar que

                              Para trabalhar produtivamente no mundo nós temos que ser ou pacientemente impacientes ou impacientemente pacientes. Se você for impaciente você destrói seu sonho antes do que ele devesse ser destruído. Mas de você é apenas paciente as outras pessoas vão destruir o seu trabalho. Você tem que ser impaciente para conseguir fazer as coisas e se milhares de pessoas fizerem isto podemos então transformar a sociedade. (FREIRE, 2014, p.84-5).

Ao explicitar os fundamentos da Escola Superior de Paz delineamos nossos referenciais teóricos, ou seja, nosso ideal, nossa utopia, nosso horizonte – o que desejamos alcançar. Para tanto, o diagnóstico deve revelar as condições da nossa realidade. Vale relembrar três questões necessárias ao conhecimento da realidade e formação do pensamento crítico?

O que queremos alcançar? A que distância estamos do que pretendemos alcançar? O que devemos fazer para diminuir a distância entre o que se pretende alcançar e a realidade atual?

Agora, cabe fazer a pergunta: Qual é a distância entre a realidade e o que pretendemos alcançar?

A partir das respostas do coletivo a esta pergunta, podemos selecionar “O que fazer’, isto é, quais são as ações necessárias, portanto, ações a serem desenvolvidas.

Nesta lógica, as ações a serem desenvolvidas expressam a mediação necessária entre o ideal – (nossas utopias) e a realidade a ser transformada. Essas ações constituem um juízo de valor continuado sobre a prática, o que permite verificar sempre, qual a distância em que ela está do ideal estabelecido no referencial/ fundamentos. Isto exige a participação de todos na distribuição do poder entre todos, ou seja, empoderamento[3] dos atores envolvidos. Espera-se que a proposição de atividades formativas possa surgir do diálogo entre dois aspectos: necessidades da população (conhecimento da realidade) e as dimensões da cultura.

As atividades formativas devem articular as linguagens da arte e os símbolos da cultura por meio de cursos, mini-cursos, seminários, palestras, depoimentos, teatro, música, vídeos, filmes, literatura.

9- Referências Bibliográficas

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.

___________. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo; FREIRE, Anita Araújo; Oliveira, Walter Ferreira de. Pedagogia da solidariedade. São Paulo: Paz e Terra, 2014.

GANDIN, Danilo. Posição do Planejamento Participativo entre as Ferramentas de Intervenção na Realidade. In:  Currículo Sem Fronteiras, v.1, n.1, pp.81-95, Jan/jun.2001.

GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de desencanto. Editora Vozes: Petrópolis, 2001.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,1985, p.117-127.

KRENAK, Ailton. O amanhã não está à venda. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

_____________. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

PINTO, Álvaro Vieira. Ciência e Existência. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1969.

SANTOS, Boaventura de Souza (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p.13-27; 29-77.

 SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classe. 2.ed. trad. Maria Helena Albarran. Centauro Editora: São Paulo.1976.

 Santos, Milton. Território e Sociedade – entrevista com Milton Santos. Editora Fundação Perseu Abramo, 1996.

SILVA, Tomás Tadeu da; GENTILI, Pablo (org.). Escola S. A. Quem ganha e quem perde no mercado educacional do neoliberalismo. CNTE: Brasília, 1996.

 STIGLITZ, Joseph. O preço da desigualdade. Trad. Denis Pires. Bertrand Editora: Lisboa, 2016.


[1] Existência Humana é o processo de interação entre a população de uma determinada sociedade, a natureza, as tecnologias e as técnicas para produzir as condições necessárias à sobrevivência.  Este processo ultrapassa o mero atendimento às necessidades básicas de sobrevivência: cria bens materiais e desenvolve. Ideias (conhecimento, valores, crenças, conceitos, símbolos, hábitos, habilidades) que caracterizam a identidade de um povo. A identificação destes bens materiais e culturais constituem o próprio processo de humanização, o que pressupõe questionamentos sobre justiça social, democracia, liberdade, autonomia, direitos humanos e respeito à diversidade.

[2] Bem-Viver Social é o espaço de luta solidária pelo respeito à dignidade humana entendida como conjugação entre desejo pessoal e desejo público. Refere-se aos sonhos, aos horizontes, à utopia pela construção de outros mundos possíveis. Um mundo solidário que lute contra as desigualdades econômicas, sociais, políticas e educacionais; que enfrente a crueldade da destruição ambiental, da discriminação estrutural.

[3] Empoderamento é um sentimento que combina liberdade individual e o desejo social de usar essa liberdade para construir coletivamente processos formativos fundados numa visão crítica da sociedade. Parte do pressuposto que sustenta a ideia de democracia participativa como modelo que envolve a disputa de espaços de participação e deliberação, desafiando a lógica democrática configurada nas representações. Democracia participativa e democracia representativa não se excluem, mas, a primeira visa assegurar espaços para as múltiplas vozes, em condições de igualdade. A democracia participativa parte de uma leitura de mundo fundada na ideia de que a realidade é injusta. Aponta a falta de participação como estratégia de fortalecimento das injustiças. Nesta lógica participação e poder são faces da mesma moeda. Assim, empoderamento é uma ferramenta teórico-metodológica fundada na distribuição do poder que pressupõe conhecer, analisar, planejar e realizar atividades voltadas para a transformação social que, por sua vez, cria a possibilidade de participação e cooperação de todos os agentes do processo formativo.

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