Poema para mundo melhor e possível – em um só fôlego

Que esta Terra, enfim, seja nossa verdadeira oca, casa comum de todos os seres. Pois o humano é apenas um entre múltiplas espécies.

Oca, Tapera, Terreiro – 2016/ Bene Fonteles(Bienal de São Paulo)

Pindorama, Terra das Palmeiras, onde sopra os ares do quilombo dos Palmares, e corre também sangue branco vindo de outros mares com semelhantes males. São proscritos de todo tipo de pogrom. Quantas formas de quilombo, de refugiados ou fugidos? Nosso mundo real ou mítico, se Pasárgada, Pindorama, Palmares ou Cucaña (ou Cocanha) não é nenhuma Terra firme  ou já dada. É Terra onde se sonha um sonho que se assanha e nasce a cada manhã em busca de sociedade mais justa. Com arte, cultura, liberdade e resistência e na aventura da descoberta do que somos e do que outro é, com tantas e ricas diferenças. Local onde, por exemplo, a favela, mais que fala, possa existir plenamente, sendo realmente ela, e nos ensine, a cada momento, a acabar com as mazelas em solidários encontros, derrubando todo escombro, juntos por um mundo novo. Tal luta não é luta vã. Porque nasce, toda manhã, a poesia da vida, que, como diz Edgar Morin, é mais importante que a frágil felicidade, dependente de muitas condições. Necessário, então, abrirmos clarões de poesia para momentos de êxtase e alegria. Se viver não é preciso, viver poeticamente é urgente. Um mundo apenas de prosa, só de sobrevivência, não é nada interessante. Juntemos toda gente para viver poeticamente, e florescer em vida amante. Se nosso céu tem mais estrelas, não importa tanto saber, pois há um encanto maior: delas, somos poeiras, mesmo daquelas já mortas. E, seguindo nesta esteira, tempos passados são rastros que iluminam e mostram o caminho da pura mina, tesouro comum a todos, sem nenhuma distinção que nos mate ou oprima. Um mundo além-mundo, aberto ao pluriverso. Neste mundo, mais que cidade, cabe trabalho digno, terra boa e cultivada, tecnologia a serviço de toda a humanidade; cabem várias crenças, com respeito e acolhimento, sem terríveis e absurdas desavenças; cabem compartilhados saberes no colo generoso e de boa-fé; cabem indivíduos e suas liberdades em nome do coletivo, atentos ao mar e às marés. Pois revezes e agruras sempre vão acontecer. E, da queda, quem sabe, uma brecha, abertura ou aventura onde cada um se arrisque e se mexa sem perder a ternura de Che. E no instante que o adulto balance, que venha a música de Milton na letra do eterno Brant. Seremos sempre meninas ou meninos, moleques a oferecer apoio e dar a mão, coração aberto em leque. Ancestrais nos deram rede para fazermos do balanço uma forma deitar, parar e descansar. De tribos assim, de outros confins, vem o termo “palavra” como sinônimo de “alma” – verdadeira, clara, e não coberta por artifícios. Palavra sem vícios e plena de atos. Três termos unidos dariam direção: “palavra”, “alma” e “ação” a virarem “palavralmação”, neologismo meu bem vivo contra cruel e qualquer desamor ou armação. Palavra ativa, e deste jeito transformada, sai fresca da fornada e vai ao encontro de uma conhecida e clara expressão: “paz com voz” para todos nós que não descarta o entusiasmo, a tesão pela vida – o bem maior a nos dar corpo, guarida. Vida louca, vida breve, bem disse Cazuza, outro bom moleque. Aprendamos com nossas musas, a Utopia, a Arte e a Liberdade. Vida, boa e eterna escola. Na onda de Paulo Freire, no leme da educação, vamos mudando a nós mesmos para transformar o mundo, uma boa viração. Queremos um mundo sem fronteiras, rico de cultura, e por ele lutamos e lutaremos – não pedimos como esmola. Que esta Terra, enfim, seja nossa verdadeira oca, casa comum de todos os seres. Pois o humano é apenas um entre múltiplas espécies. Vasto céu, vasto oceano, maiores do que supomos, acima de nossas cabeças, abaixo de nossos pés. Nossas certezas são pisos movediços de convés. O horizonte nos move, nos faz seguir adiante, o caminho ao caminhar. Seguimos nas pontes do afeto e não estamos sozinhos na trilha do esperançar.

Delayne BrasilPoetisa, escritora, cantora e compositora e faz parte dos Estados Gerais da Cultura

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