Reflexões sobre a “coisa pública”

E, enfim, “a coisa pública” deve ser de todos e é sua por esta razão; seu bairro é a extensão de sua casa, que é parte inseparável dele e parte do tecido urbano.

Foto via internet. Município de Serra Alta- Santa Catarina. Todos os direitos reservados ao fotógrafo.

No Brasil, sua democracia simulada parece definir essa chamada “coisa pública”. Do ponto de vista jurídico ela está amplamente definida, salvo suas interpretações nem sempre esclarecedoras do direito dessa “coisa”. “Coisa” no título e no texto porque culturalmente mal definida.

Sua indefinição é tal que o comportamento – a “coisa pública é do governo, e, como tal, não me diz respeito…” é lugar comum em nossa controvertida cidadania e brasilidade. 

Ocorre que essa “coisa” – traduzindo, é um bem público, precioso por sua utilidade e uso. Mas o tal comportamento citado é agravado ainda mais na compreensão do bem privado e o descompromisso com a “coisa pública”. E é assim pela exacerbação do direito privado na sua contradição entre os mais abastados economicamente e os menos abastados e até os despossuídos. 

Paradoxalmente é corriqueiro acontecer que abastados, no seu alto poder de compra, se apropriam de espaços vitais do território urbano para instalação de suas habitações e espaços de negócios privados. Ocupação esta, muitas vezes, em prejuízo de espaços que a Administração Pública deveria preservar para instalar “espaços públicos de convivência”. Mas o paradoxo não termina aí. E, na outra ponta, entre os menos abastados, a ocupação nos espaços subocupados de menor valor e “vazios urbanos” desconectados do tecido urbano formal (estranhamente chamados de “subnormais”) se dá desordenadamente, novamente em prejuízo de espaços vitais que poderiam se tornar “espaços públicos de convivência”. 

Nas ocupações de alto valor imobiliário, abundantes de serviços públicos, parte privilegiada do tecido urbano, muitas vezes, o desinteresse além-muros de seus proprietários pela “coisa pública” fica patente no seu descompromisso com suas ruas e praças e equipamentos urbanos de seu entorno. Ou seja, pagam impostos (IPTU e outros), então a responsabilidade é da Administração Pública. Alienação e equívoco de seu direito e responsabilidade na “coisa pública” que sendo sua também deveria ser bem cuidada. Nas ocupações de baixo valor imobiliário, carente de serviços públicos, o desinteresse além-portas e ou muros (???) de seus proprietários e o não proprietários (excluídos) pela “coisa pública” é ainda maior. 

Nesses casos, os que pagam impostos (IPTU e outros) não têm retorno equivalente em serviços públicos, e os que não pagam (IPTU e outros) classificados como “ocupações subnormais” não identificam o espaço público de convivência como seu, porque não conseguem estabelecer uma convivência integradora e vertebradora de uma identidade municipal – o sentido de pertencimento a malha urbana formal é baixo e até nulo. Tudo proporcional ao abandono de suas ruas e praças, suas calçadas e pontos de transporte coletivo. É o dilema entre o “asfalto” e o “morro” no seu processo de exclusão e contradição social. 

O abandono e ou a ausência destes espaços públicos de convivência e mobilidade urbana estimulam a alienação de sua consciência pública. E o mais grave, até naqueles espaços públicos privilegiados, se estimulam o sentimento de individualismo, de isolamento e falta de convivência para cordialidade coletiva, agravados pela violência e a crescente “indústria de segurança privada” na vã tentativa de um urbanismo de proteção. Mas, contraditoriamente, é desestruturante do tecido urbano e da cidadania civilizatória e de fraternidade. 

Finalmente, cabe destacar algumas reflexões: 

– sua rua, beco, ou viela são a extensão de sua casa, sua comunidade, sua vila e ou seu condomínio (vertical e ou horizontal, aberto ou fechado), assim como é sua calçada, suas praças, parques e jardins, pontos de transportes coletivos, sua iluminação e arborização e outros espaços e equipamentos urbanos onde pode encontrar seus vizinhos. E, enfim, “a coisa pública” deve ser de todos e é sua por esta razão; 

– seu bairro é a extensão de sua casa, que é parte inseparável dele e parte do tecido urbano – reconhecido, ou não, porque é de direito e é seu na consolidação de sua cidadania; 

– sua cidade é a extensão de sua casa, e é a extensão de seu município na sua integração combalida, mas necessária entre o tecido urbano e o rural; e – assim é sua região e país, seu lugar de morada e identidade cultural. 
Flavio W. Lara Instituto ComAfrica Rio de Janeiro – RJ – Brasil Junho 2006

Flávio W. Lara integra a equipe dos Estados Gerais da Cultura, é ativista político e tem experiência em projetos social e ambiental. Atualmente trabalha como voluntário no complexo da Penha, Rio de Janeiro, presta consultoria e colabora com o Instituto Mirico Cota, no Baixo Tocantins (na áreas de engenharia econômica e tecnologia de recursos e produtos florestais).

 

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