“Tecendo o amanhã”

Texto: José Bulcão

Hoje não é um dia qualquer. Nem deveria se chamar domingo. Tem outro nome: desejo de mudança. 

E essa esperança vem de São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belém, Vitória e de mais algumas grandes cidades do país. 

É a oportunidade de vermos o Brasil resgatar o compromisso com seus valores mais nobres. Chega de fundamentalismos. Estamos cansados de tanto descaso com nossa cultura, nossa saúde, nossa economia, nosso orgulho e nosso povo. 

Pensar o Brasil é colocar nossa capacidade transformadora à serviço do país e de sua libertação desse sistema de exploração que nos faz dependentes cíclicos do centro capitalista. 

O Brasil não precisa disputar espaço no centro do capitalismo mundial. Nosso papel como Estado e nação é maior. Subvertendo a singeleza aritimética, o que queremos é inverter a ordem dos fatores e colocar, no centro, a periferia. 

Entenda-se por periferia, tudo o que é genuinamente nacional, porque integra como nação o nosso território, o nosso povo a nossa cultura!

O Brasil será livre, independente e autônomo quando virmos nossas comunidades indígenas, quilombolas, imigrantes, todas as etnias e gêneros com acesso às mesmas oportunidades, com trabalho, saúde, escola, moradia, saneamento, transporte, dignos e de qualidade. O Brasil será feliz quando sua força criativa estiver a serviço do bem viver de todo o povo, indistintamente. 

Um Brasil que assume e tem orgulho de suas origens, de seu povo mestiço, é um Brasil do mundo. 

Que o Brasil da esperança tenha se reecontrado consigo mesmo a partir de hoje, do exercício básico da democracia,  pelas mãos de brasileiras e brasileiros, no  voto. 

Já nos disse uma vez o jornalista Walter Veltroni “O passado pode ser um bom refúgio. Mas o futuro é o único lugar que nos abrigará.”

Em nome de Celso Furtado, nosso homenageado de hoje, um brasileiro imprescindível, que nos forneceu base crítica e científica para corroborar essa esperança, encerramos com o também centenário, também nordestino e, acima de tudo, um brasileiro, cidadão do mundo, João Cabral de Melo Neto. 

TECENDO A MANHÃ

Um galo sozinho não tece uma manhã: 

ele precisará sempre de outros galos. 

De um que apanhe esse grito que ele 

e o lance a outro; de um outro galo 

que apanhe o grito de um galo antes 

e o lance a outro; e de outros galos 

que com muitos outros galos se cruzem 

os fios de sol de seus gritos de galo, 

para que a manhã, desde uma teia tênue, 

se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos, 

se erguendo tenda, onde entrem todos, 

se entretendendo para todos, no toldo 

(a manhã) que plana livre de armação. 

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo 

que, tecido, se eleva por si: luz balão

(João Cabral de Melo Neto)

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