Nova educação: pobreza intelectual para favorecer demandas de mercado

O Brasil é a décima economia do mundo, grande mercado consumidor, mas é o segundo em concentração de renda no mundo e o sétimo em desigualdade social.

Fábio Bezerra

Em primeiro lugar quero fazer uma mensagem de solidariedade às famílias que perderem seus entes queridos nessa brutalidade passional, desumana, essa combinação monstruosa entre a pandemia e ignorância, com um governo insano, criminoso, fascista. Espero que um dia seja julgado e condenado no Tribunal de Haia e além de ser julgado nas ruas, e que seja nesse ano.

Nós chegamos no limite da paciência e no limite de qualquer valor e respeito a vida. O Brasil é hoje o epicentro da pandemia e o epicentro também da ignorância, da brutalidade na América Latina e no mundo.

É preciso situar a questão da educação e também da cultura dentro um contexto mais geral. A reforma que já está sendo implementada e na realidade já começou com Temer e é efeito do processo do golpe de 2016, a lógica neoliberal, e de dentro dessa lógica tivemos a contrarreforma trabalhista, da previdência e a famigerada emenda constitucional 95, que restringe gastos públicos com saúde, educação, que são áreas fundamentais, e a contrarreforma da educação. Também alterou a Base Nacional Comum Curricular que por sua vez remodela todas essas reformas, adequa toda sistemática da vida social brasileira à ordem do capital, a essas novas reconfigurações objetiva e subjetiva das contradições na crise capitalista com o processo da Covid, que se retroalimenta dessa crise e que passa também a ter cortes de recursos na educação e na cultura, do ponto de vista estadual e uma mudança drástica e substantiva no próprio projeto educacional em curso.

A Educação diz respeito a existência humana em toda a sua duração e seus aspectos. É um processo, ao qual a sociedade forma seus membros, mas esses membros não estão à margem de um determinado modelo social. Nós vivemos, infelizmente, num modelo capitalista que de alguma forma tem por norma formatar trabalhadores e trabalhadoras, não apenas no ponto vista técnico, ético, como também no ponto vista cognitivo e intelectual.

Uma crise avassaladora em cortes de recursos para a cultura e uma mudança drástica do processo educacional em curso, mesmo com todo esse contexto, a educação forma o indivíduo padrão, mas e ao transmitir todo um conjunto de saberes do ponto de vista de uma educação técnica que possibilita aos trabalhadores romperem com esse modelo educacional, que é uma educação que procura alijar numa cultura mais ampla na perspectiva, alterar essa realidade.

Essas contradições dialéticas da educação possibilita também um capital intelectual que auxilia a tomada de consciência crítica, da organização popular, da luta pela conquista de direitos, ele também acrescenta a perspectiva da mudança. Isso facilita as transformações. Uma educação muito perigosa às elites. Ao mesmo tempo que molda, também dá ferramentas cognitivas que possibilitam a transformação. País de tradição patriarcalista ainda muito forte arcaico do ponto de vista dessa tradição conservadora e reacionária que busca restringir e reagir as parcas conquistas que conseguimos obter com sangue, suor e lágrimas nesses últimos 40 anos, principalmente após o processo de redemocratização do país e algumas grandes conquistas como a Carta Magna de 1988.

Nós estamos vivendo um processo cultural extremamente retrógrado e reacionário. Esse processo de reformas e de ataques são subsumidos numa análise mais simplificadas, como o plano das reformas estruturais, reduzindo, os gastos do orçamento público como é necessário para essa elite totalmente desapegada de qualquer perspectiva de emancipação nacional, autônoma, independente, dos anos 40 pra cá. Esse contexto de crise fortaleceu esse setor conservador do Brasil e esse conjunto de reformas visam também o remodelamento de toda estrutura subjetiva, da formação da consciência e da subjetividade das novas gerações que virão, para uma cultura empobrecida intelectualmente. Muitos pensadores da atualidade, como Theodor Adorno aponta essa indústria cultural que ainda se faz presente, apesar de quase 100 anos depois da conceituação desse termo, cada vez mais reacionários, comerciais e cada vez mais alienantes.

O Estado não domina apenas pela repreensão policial, pelas leis, mas nos domina, sobretudo pela ideologia. Por isso, o debate é fundamental. Foram diversos os ataques, o corte de mais de 30 bilhões que o então ministro Weintraub promoveu, logo inicio de sua gestão, que atacava os institutos federais de educação. Praticamente paralisa o tripé do ensino, da pesquisa. Cerca de 95% das pesquisas não são feitas pelas instituições privadas.

Nós estamos falando de um país 220 milhões de habitantes, que é a décima economia do mundo, grande mercado consumidor, mas é o segundo em concentração de renda no mundo e o sétimo em desigualdade social. Dados da ONU.

Ciência, extensão, pesquisa e educação são instrumentos fundamentais para superar a desigualdade. Mais que o fomento é o acesso democrático do direto de todo e qualquer ser humano à educação e ao conhecimento. Paralelo a esses ataques estamos sofrendo a militarização das escolas, a escola sem partido, perseguições em retiradas de disciplina de filosofia e sociologia, o flerte e o romance para a tentativa de voltar ao passado, de apenas inserir o individuo como força de trabalho muito pulverizada, empobrecida intelectualmente para atender as demandas de mercado, em contraposição ao direito conhecimento mais rico e mais vasto.

Tramita no Congresso, o projeto de lei que chama-se Future-se, que visa retirar o papel do Estado em relação aos recursos públicos na manutenção às instituições de ensino público, estas riquezas sociais que se chamam universidades federais, Cefets. Jogando no balcão de negócios da iniciativa privada a manutenção dessas instituições vendendo sua pesquisa e seus projetos de extensão, para deixar de ser extensão para se tornarem prestação de serviços. E a médio prazo todo o conjunto educacional voltado numa perspectiva de empreendedorismo, produtivista. São muitas contradições que devem ser denunciadas. Me parece que o governo age na máxima de Maquiavel, ‘se deve fazer o mal, faça o mal de um vez só’

Ideias do professor Fábio Bezerra, com edição de Mari Weigert – jornalista.

Prof. Fábio Bezerra – Professor de Filosofia da Tecnologia no CEFET,  Mestre em Educação Profissional e tecnológica e membro do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte e da Coordenação da Rede Tecnológica de Extensão Popular ( RETEP) e do Conselho Editorial da revista Novos Temas do Instituto Caio Prado Júnior.

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