Cinema e educação no Brasil

Ao alcançar a marca dos cinquenta encontros, os Estados Gerais da Cultura(EGC) realizam com o Fórum Brasileiro do Audiovisual (FBA) um debate memorável com mulheres cineastas e produtoras sobre cinema como recurso didático para formação cultural, social e artística nas escolas e na comunidade. “Vamos falar de cinema sob um outro olhar, que não é aquele do artista, do fazedor de cinema, mas pelo olhar do formador através do cinema”, afirma o cineasta Silvio Tendler. “Será um debate muito rico e gostei muito que tenham procurado os Estados Gerais da Cultura para realizarmos juntos esse encontro”. Tendler integra os dois movimentos culturais e falará na abertura.

O Fórum foi criado pela cineasta e produtora Solange Moraes e agrupa grandes nomes na criação de filmes de todo o Brasil, tanto os mais antigos como os mais novos, entre eles estão Silvio Tendler, Orlando Senna, Rosemberg Cariry, José Araripe, assim como cineastas videotivistas, pesquisadores e professores. “Será encontro de mulheres do cinema, destacando a presença preciosa de Marialba Monteiro – uma das fundadoras do projeto chamado Cineduc, que se dedica a ensinar cinema nas escolas”.

A apresentação musical deste domingo será por conta de Isabella Rovo, artista candanga e uma grande mobilizadora cultural.

Cynthia Alário

Educadora social e empreendedora cultural. Em 2002 fundou a Brazucah, uma produtora especializada na difusão do cinema brasileiro pelo Brasil e pelo mundo. Atualmente coordena o CINESOLAR – um cinema itinerante movido a energia solar e integra a Rede Internacional de Cinema Solar. Viaja pelo país realizando oficinas de produção audiovisual e alegrando as pessoas com a magia do cinema. É formada em Comunicação Social na USP e pós-graduada em Transdisciplinaridade e Desenvolvimento Integral do Ser Humano pela UNIPAZ/SP. Naturopata, desenvolve um trabalho de resgate dos saberes populares da manutenção da saúde através das manifestações artísticas e culturais. Facilitadora da Metodologia de Educação para a Paz desenvolvida por Pierre Weil.

Solange Souza Lima Moraes

Produtora, graduada em Cinema pela Universidade Federal da Bahia – UFBa. Baiana, é sócia da Araçá Filmes, produtora com mais de 40 filmes, entre curtas, documentários e longas metragem. Possui mais de 30 anos de experiência com cinema e audiovisual. Seu mais recente lançamento, o longa Longe de Paraíso (2020) dirigido por Orlando Senna, acaba de ganhar o prêmio de público como Melhor Filme no Festival de Brasília.

Foi presidente da Associação Brasileira de Documentaristas – ABD Nacional, entidade que existe nos 27 territórios brasileiro, membro titular do Conselho Superior de Cinema, nos governos 2008/2012, do Conselho Nacional de Políticas Culturais – CNPC e do Conselho de Cinema da Secretaria do Audiovisual – SAV. Atualmente, finaliza dois longas: A Pelé Morta, rodado no Brasil e na América Latina, previsto para 2022 e Nina, rodado em Salvador, previsto o lançamento para outubro de 2021. 2022.

Marialva Monteiro

Graduada em Filosofia pela PUC-RJ e Mestre em Filosofia da Educação pela Fundação Getúlio Vargas-RJ. Curso de Extensão em Crítica Cinematográfica na ASA–Ação Social Arquidiocesana/PUC-RJ.
Fundadora e atual presidente do CINEDUC, entidade que trabalha há 46 anos com o uso da linguagem audiovisual no processo educativo.

Coordenou o projeto Sessão Criança no Centro Cultural Banco do Brasil – CCBB-RJ e fez a curadoria da Mostra Geração do Festival do Rio desde 1999 até 2007.
Coautora do livro Cinema: uma janela mágica, com Bete Bullara, sobre linguagem cinematográfica, destinado a jovens, (terceira edição em 2015). Coordenou a realização do vídeo didático Cinema para Todos (50 min) sobre a linguagem cinematográfica com patrocínio do Fundo Nacional de Cultural com distribuição gratuita para universidades e centros culturais e o programa Olho Mágico, veiculado pela TV Educativa.

Escreveu o argumento e acompanhou a produção da série A Trama do Olhar, Para o programa TV Escola. Participou como jurada em vários festivais infanto-juvenis na América Latina (Bolívia, Venezuela, Uruguai, Argentina), na Europa (Bulgária, Polônia, França, Rússia) e Índia. Jurada e curadora da seleção de curtas do FECIBA – Festival de Cinema Baiano em Ilhéus, BA de 2013/16.

É membro da Câmara Setorial do Audiovisual do Conselho Municipal de Cultura de Ilhéus, BA já no segundo mandato. Curadora em 2011/14 da Mostrinha de Cinema Infantil de Vitória da Conquista (BA), organizada pela UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Marineti Pinheiro

Jornalista, Escritora e Cineasta, formada em Direção de Documentário pela Escuela Internacional de Cine y Televisión de San Antônio de los Baños/ EICTV (Cuba), dirigiu filmes de curta, média e longa metragem premiados nacionalmente, publicou dois livros sobre cinema pela Editora da UFMS, realiza curadoria para Festivais Mostra de Cinema no Brasil e no exterior, é professora na Faculdade Novoeste. Atualmente trabalha na formação audiovisual de jovens realizadores da etnia Guarani Kaiowa através do Kuñangue, e coordena (desde 2015) o Museu da Imagem e do Som de Mato Grosso do Sul (MIS de MS) onde desenvolve atividades de formação, difusão e promoção na área da fotografia, música e, principalmente, Cinema e, em 2019, recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro, do IBRAM, ação educativa, pelo curso de documentário “MS 40 anos em Histórias Cinematográficas” em parceria com TVE Cultura de MS.

Renata Semayangue

É produtora de cinema e audiovisual com mais de 20 anos de experiência. Já trabalhou em diversos filmes longa- metragem, curtas e séries. É fundadora da produtora independente Cinepoètyka, que fica em Lençóis, na Chapada Diamantina, gestora do Cineclube Fruto do Mato – cinema para todas e diretora de produção da ELA – Escola Livre Audiovisual da Chapada Diamantina.

Ana Bárbara Ramos

É cineasta, educadora e gestora de projetos especializados na área de cinema e educação. É mestre em Letras e graduada em Comunicação Social pela UFPB, e cursa a especialização em Educação Transformadora: Pedagogia, Fundamentos e Práticas, na PUCRS. À frente da Semente – Escola de Educação Audiovisual desde 2014, desenvolve práticas educativas com o audiovisual em instituições escolares e culturais. É professora do Cearte – Centro Estadual de Arte da Paraíba, desenvolvendo ações de arte para o público infantil e na formação de professores. Integrante da Rede Kino – Rede Latino-americana de Educação, Cinema e Audiovisual e do Núcleo de Educação Transformadora da Paraíba.

Reflexões sobre Formação Política por uma Democracia Participativa

Individualmente, somos um composto de saberes e ignorância derivados da cultura daqueles grupos aos quais pertencemos. Tudo que sabemos e conhecemos como verdades e incertezas nos foram transmitidos culturalmente por nossas sociedades.

Xilogravura de J. Borges. Foto via Instagram oficial do artista pernambucano J.Borges – Brasilidade Invade Sua Casa

Por que somos animais gregários – seres gregários? Na diferença genética, somos diferentes, porque somos superiores? E somos humanos como seres sociais. Mas porque somos sociais, somos resultado de nossos grupos de convivência, i.é, somos interdependentes como resultado de nossa vivência cultural. E, por isso, individualmente, somos um composto de saberes e ignorância derivados da cultura daqueles grupos aos quais pertencemos.

Então aquela estória de meritocracia não procede e nem se sustenta cientificamente, né? Tudo que sabemos e conhecemos como verdades e incertezas nos foram transmitidos culturalmente por nossas sociedades.

A superioridade cognitiva da espécie humana desde o homo sapiens na sua vivencia errante de erros e acertos produziram grandes descobertas. Mas a genialidade dessas descobertas não é exclusiva de seus criadores. Sempre foram resultados da evolução política cultural de suas sociedades, em constante transformação. Isto é porque cultura é política e sempre será. Então, aquela soberba e arrogância de suposto saber são sempre relativas, porque dialeticamente o tal saber não pode ser absoluto. E, portanto, traz em si a ignorância no balanço contraditório das certezas e incertezas.

Ora, diria eu: então o “saber científico” pode pasteurizar o “saber empírico” por suposta superficialidade e erro? Não, nos revela o materialismo histórico: todos nós temos saberes e ignorância, que na sua oralidade política cultural nos tem sido transmitidos como conhecimentos tradicionais. E, é para alguns recalcitrantes da oralidade do saber, como saber primitivo.

Como entender a complexidade da nossa sociedade sob um sistema capitalista, sem contestar esse saber ideologizado de dominação de classe, opressão, desigualdade, miséria e morte? Coloquialmente, “baixando a bola” e depois nos “dedos da palma da mão” a formação o edus de educar deve ser, antes de tudo, questionadora, insurgente, conscientizadora, emancipadora e libertadora.

Os Grandes Pensadores do materialismo histórico e sua dialética em evolução ponderaram que, apesar das incertezas, nosso processo de conscientização deve se pautar na observação rigorosa das contradições sociais, evitar sua superficialidade e buscar o concreto de suas causas e efeitos para sua compreensão e transformação pela liberdade, igualdade e fraternidade.

Então, como criar um grupo de formação política sem considerar essas individualidades do animal gregário que somos? É fundamental que isso seja posto em prática, porque nessa prática de luta transformadora, há confrontos e troca de saberes dessa vivência de cada participante na sua expressão oral ou escrita pautada na sua prática política, sua maneira de viver e ser para sua transformação compartilhada para a consolidação dessa formação política gregária.

É um erro pensar e propor grupos de trabalho herméticos, fechado no pequeno de seu saber, sem capilaridade e intercambio com outros grupos de trabalho de cultura, comunicação e ação política, porque todos são interdependentes e constituem a cultura política do grupo maior, núcleo e ou partido político.

Flavio W. Lara

Rio de Janeiro, 1º de junho de 2021

Flávio W. Lara integra a equipe dos Estados Gerais da Cultura, é ativista político e tem experiência em projetos social e ambiental. Atualmente trabalha como voluntário no complexo da Penha, Rio de Janeiro, presta consultoria e colabora com o Instituto Mirico Cota, no Baixo Tocantins (na áreas de engenharia econômica e tecnologia de recursos e produtos florestais).

A pessoa de Paulo Freire – Memórias

“Na fotografia estamos em Managua, na Nicarágua, em um evento internacional de apoio à Revolução Sandinista. Paulo Freire está entre jovens (é em 1982) que vieram a recriar com ele o que veio a ser a Educação Popular. O que está sentado e humildemente olha para o chão (talvez prestando atenção em alguma formiga passageira), sou eu”, Brandão.

Aqui apresentamos o início de um texto de Carlos Rodrigues Brandão, professor e escritor, nosso convidado no encontro sobre Paulo Freire, tantos anos depois, cujo conteúdo completo poderá ser disponibilizado a quem interessar via e-mail e contato pelo site da EGC. Segundo Brandão, os escritos foram feitos para “voar nas nuvens” e para partilhar livremente. Ele oferece artigos, livros e escritos sobre a educação, a antropologia e a literatura que podem ser acessados e copiados no seu site Partilha da Vida . Numa pequena trova talvez, cordel, pequeno poema, Carlos Rodrigues Brandão resume com poética o que representou e falou seu amigo Paulo Freire.

Viver a sua vida
Criar o seu destino
Aprender o seu saber
Partilhar o que aprende
Pensar o que sabe
Dizer a sua palavra
Saber transformar-se
Unir-se aos sues outros
Transformar o seu mundo
Escrever a sua história

Tantos anos depois

“Bem que eu gostaria de começar este apanhado ao acaso de memórias e depoimentos sobre não tanto a obra, mas a pessoa de Paulo Freire, tratando quem me leia como ele costumava falar. . Paulo usava o “tu”, das pessoas de fala espanhola, dos gaúchos, das paraenses e de mais alguns brasileiros, inclusive do Nordeste. Assim ele deixava de lado o “você”, tão mais nosso, e ao falar nos olhava na cara e dizia: “Tu, Carlos, tu, o que pensas sobre isto?”

O que desejo partilhar com vocês são algumas memórias minhas e alguns depoimentos a respeito da “Pessoa de Paulo”. Pequenos fatos, alguns triviais e quase pitorescos, outros mais sérios, mas sempre pouco acadêmicos e ortodoxos. Convivi com Paulo Freire apenas após seu retorno do exílio. Convivi com suas ideias desde muito antes, quando trabalhava como educador popular no Movimento de Educação de Base e era um “militante engajado” na Juventude Universitária Católica.

Entre voos (alguns longos), viagens por terra, salas de aulas, locais amplos de encontros, congressos e semelhantes, ou mesmo ao redor de uma mesa de bar, nós compartimos horas e horas da vida. O que trago aqui é a memória de fatos e o depoimento de feitos deste homem que de tanto ser lembrado como um militante da educação, um professor e um escritor de livros que ajudaram o mundo a ser melhor e mais consciente de si-mesmo, acabou sendo quase esquecido de ser também uma pessoa que numa mesa de bar, ou em uma viagem de avião, gostava de conversar muito sobre a vida… e muito pouco sobre a educação.

Não pretendo de modo algum escrever aqui um “livro para ser publicado”. Quando ele ficar pronto eu o vou enviar a um ramalhete de pessoas amigas. E desde já gostaria de desafiar aquelas que, como eu, algo tivessem a narrar a
respeito da “Pessoa de Paulo”, que se animassem a somar aos meus, os seus depoimentos. E, às minhas, as suas memórias compartidas. O próprio Paulo gostava muito de se autobiografar em momentos de seus livros. No entanto, observem que são mais memórias de infância e juventude do eu as de quando já era “o professor Paulo Freire”. De resto, em suas inúmeras biografia há muitos momentos de suas memórias. Sem falar na completa e
excelente biografia de Paulo escrita por Ana Maria Freire. Faltam, no entanto, “depoimentos de vida” que em diferentes situações nos ligar a este homem irrepetível.

Campinas, outono de 2018
Carlos Rodrigues Brandão

Um homem conectivo

Em muitas ocasiões a imagem de Paulo Freire colocada na capa de seus livros, em programas de encontros e em trabalhos escritos sobre a sua obra Paulo Freire aparece quase sempre sozinho. E, notemos bem, quase sempre o mesmo rosto de um homem já com os cabelos e as barbas brancas e com um sereno ar de profeta pensativo. São raras as fotos de Paulo Freire mais jovem. Raras também, a não ser em livros biográficos, as imagens de Paulo Freire em meio a outras pessoas.

Ora, esta desigualdade de proporções entre tipos de imagens revela uma falsa realidade. Paulo Freire gostava de dizer de si mesmo que sempre foi “um homem conectivo”. Um “homem-ponte”, um “homem-elo”.Convivi com ele o suficiente para reconhecer que à diferença de intelectuais (categoria da qual ele nunca gostou de pertencer), solitários, ilusoriamente autossuficientes e amantes da mesas redondas com no máximo três pessoas e dos palcos solitários com focos de luzes caindo sobre uma única pessoa, Paulo sempre foi uma pessoa “ao redor de”. E o círculo de cultura sempre foi o lugar mais fecundo e feliz que ele imaginou. Assim como “estar em equipe” foi antes do exílio, durante o exílio e depois dele, até sua partida, o seu lugar de vida e trabalho preferido.

Quantas vezes convivemos situações de partilha de palavras e de ideias, e sou testemunha de que em nenhuma delas ele guardava a pose pedante de que fica em aparente silêncio enquanto as outras pessoas falam, para então esperar o silêncio respeitoso e o foco de todas as atenções para “dizer a palavra essencial do mestre”. Ao contrário, lembro-me de diferentes situações em que sua preocupação eram muito mais a de conectar as diferentes palavras de quem partilhava um diálogo coletivo “ao redor de”, para então dizer “a sua palavra” bem mais como uma síntese do que se disse do que como a sábia e exclusiva fala de quem se guardou para afinal dizer o que todos vieram ouvir.

“Assim era esse homem de quem, se eu ousasse (e eu vou ousar) sintetizar tudo o que ele disse e escreveu sobre o povo e a vocação de quem dialoga para educar, eu escreveria isto:”

Viver a sua vida
Criar o seu destino
Aprender o seu saber
Partilhar o que aprende
Pensar o que sabe
Dizer a sua palavra
Saber transformar-se
Unir-se aos seus outros
Transformar o seu mundo
Escrever a sua história


Nova educação: pobreza intelectual para favorecer demandas de mercado

O Brasil é a décima economia do mundo, grande mercado consumidor, mas é o segundo em concentração de renda no mundo e o sétimo em desigualdade social.

Fábio Bezerra

Em primeiro lugar quero fazer uma mensagem de solidariedade às famílias que perderem seus entes queridos nessa brutalidade passional, desumana, essa combinação monstruosa entre a pandemia e ignorância, com um governo insano, criminoso, fascista. Espero que um dia seja julgado e condenado no Tribunal de Haia e além de ser julgado nas ruas, e que seja nesse ano.

Nós chegamos no limite da paciência e no limite de qualquer valor e respeito a vida. O Brasil é hoje o epicentro da pandemia e o epicentro também da ignorância, da brutalidade na América Latina e no mundo.

É preciso situar a questão da educação e também da cultura dentro um contexto mais geral. A reforma que já está sendo implementada e na realidade já começou com Temer e é efeito do processo do golpe de 2016, a lógica neoliberal, e de dentro dessa lógica tivemos a contrarreforma trabalhista, da previdência e a famigerada emenda constitucional 95, que restringe gastos públicos com saúde, educação, que são áreas fundamentais, e a contrarreforma da educação. Também alterou a Base Nacional Comum Curricular que por sua vez remodela todas essas reformas, adequa toda sistemática da vida social brasileira à ordem do capital, a essas novas reconfigurações objetiva e subjetiva das contradições na crise capitalista com o processo da Covid, que se retroalimenta dessa crise e que passa também a ter cortes de recursos na educação e na cultura, do ponto de vista estadual e uma mudança drástica e substantiva no próprio projeto educacional em curso.

A Educação diz respeito a existência humana em toda a sua duração e seus aspectos. É um processo, ao qual a sociedade forma seus membros, mas esses membros não estão à margem de um determinado modelo social. Nós vivemos, infelizmente, num modelo capitalista que de alguma forma tem por norma formatar trabalhadores e trabalhadoras, não apenas no ponto vista técnico, ético, como também no ponto vista cognitivo e intelectual.

Uma crise avassaladora em cortes de recursos para a cultura e uma mudança drástica do processo educacional em curso, mesmo com todo esse contexto, a educação forma o indivíduo padrão, mas e ao transmitir todo um conjunto de saberes do ponto de vista de uma educação técnica que possibilita aos trabalhadores romperem com esse modelo educacional, que é uma educação que procura alijar numa cultura mais ampla na perspectiva, alterar essa realidade.

Essas contradições dialéticas da educação possibilita também um capital intelectual que auxilia a tomada de consciência crítica, da organização popular, da luta pela conquista de direitos, ele também acrescenta a perspectiva da mudança. Isso facilita as transformações. Uma educação muito perigosa às elites. Ao mesmo tempo que molda, também dá ferramentas cognitivas que possibilitam a transformação. País de tradição patriarcalista ainda muito forte arcaico do ponto de vista dessa tradição conservadora e reacionária que busca restringir e reagir as parcas conquistas que conseguimos obter com sangue, suor e lágrimas nesses últimos 40 anos, principalmente após o processo de redemocratização do país e algumas grandes conquistas como a Carta Magna de 1988.

Nós estamos vivendo um processo cultural extremamente retrógrado e reacionário. Esse processo de reformas e de ataques são subsumidos numa análise mais simplificadas, como o plano das reformas estruturais, reduzindo, os gastos do orçamento público como é necessário para essa elite totalmente desapegada de qualquer perspectiva de emancipação nacional, autônoma, independente, dos anos 40 pra cá. Esse contexto de crise fortaleceu esse setor conservador do Brasil e esse conjunto de reformas visam também o remodelamento de toda estrutura subjetiva, da formação da consciência e da subjetividade das novas gerações que virão, para uma cultura empobrecida intelectualmente. Muitos pensadores da atualidade, como Theodor Adorno aponta essa indústria cultural que ainda se faz presente, apesar de quase 100 anos depois da conceituação desse termo, cada vez mais reacionários, comerciais e cada vez mais alienantes.

O Estado não domina apenas pela repreensão policial, pelas leis, mas nos domina, sobretudo pela ideologia. Por isso, o debate é fundamental. Foram diversos os ataques, o corte de mais de 30 bilhões que o então ministro Weintraub promoveu, logo inicio de sua gestão, que atacava os institutos federais de educação. Praticamente paralisa o tripé do ensino, da pesquisa. Cerca de 95% das pesquisas não são feitas pelas instituições privadas.

Nós estamos falando de um país 220 milhões de habitantes, que é a décima economia do mundo, grande mercado consumidor, mas é o segundo em concentração de renda no mundo e o sétimo em desigualdade social. Dados da ONU.

Ciência, extensão, pesquisa e educação são instrumentos fundamentais para superar a desigualdade. Mais que o fomento é o acesso democrático do direto de todo e qualquer ser humano à educação e ao conhecimento. Paralelo a esses ataques estamos sofrendo a militarização das escolas, a escola sem partido, perseguições em retiradas de disciplina de filosofia e sociologia, o flerte e o romance para a tentativa de voltar ao passado, de apenas inserir o individuo como força de trabalho muito pulverizada, empobrecida intelectualmente para atender as demandas de mercado, em contraposição ao direito conhecimento mais rico e mais vasto.

Tramita no Congresso, o projeto de lei que chama-se Future-se, que visa retirar o papel do Estado em relação aos recursos públicos na manutenção às instituições de ensino público, estas riquezas sociais que se chamam universidades federais, Cefets. Jogando no balcão de negócios da iniciativa privada a manutenção dessas instituições vendendo sua pesquisa e seus projetos de extensão, para deixar de ser extensão para se tornarem prestação de serviços. E a médio prazo todo o conjunto educacional voltado numa perspectiva de empreendedorismo, produtivista. São muitas contradições que devem ser denunciadas. Me parece que o governo age na máxima de Maquiavel, ‘se deve fazer o mal, faça o mal de um vez só’

Ideias do professor Fábio Bezerra, com edição de Mari Weigert – jornalista.

Prof. Fábio Bezerra – Professor de Filosofia da Tecnologia no CEFET,  Mestre em Educação Profissional e tecnológica e membro do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte e da Coordenação da Rede Tecnológica de Extensão Popular ( RETEP) e do Conselho Editorial da revista Novos Temas do Instituto Caio Prado Júnior.

A precarização do ensino é uma guerra contra as classes populares

Lucília Machado

É fundamental fortalecer essa capacidade de reflexão e de juízo crítico. Pra isso é necessário implementar projetos democráticos, inclusivos e plurais. Coisa muito distante do que o atual Ministério da Educação está providenciando

O atual contexto brasileiro é muito adverso à educação, à cultura, à ciência e ao conhecimento. É um contexto que conta com a co-participação e a cumplicidade do Ministério da Educação e com a negligência dos impactos negativos da pandemia da COVID-19 sobre a educação brasileira. Haja visto a negação para comprar os laptops, instalar as internets para que os alunos brasileiros pudessem acompanhar a escolarização nesse período de recolhimento.

A origem desse quadro é uma ofensiva ultraconservadora, da chamada “guerra cultural”, de que faz parte o movimento chamado “escola sem partido”. E há um falatório sobre o mal desempenho dos alunos das escolas públicas que legitima a intromissão das Fundações e Institutos ligados a bancos e empresas com seus pacotes educacionais visando o que eles chamam de “melhorar a educação brasileira”.

A política desse movimento é de negação da ciência, das artes e da cultura. É um discurso agressivo a tudo o que a ultradireita diz ser “doutrinação ideológica”, tudo o que ela interpreta como “ideologia de gênero”, “marxismo cultural”, “globalismo”… Hostilidades contra segmentos da população por conta das suas identidades de gênero, religiosa. Ataque aos direitos humanos. Intimidações milicianas, incluindo violências físicas contra opositores, perseguição aos estudantes, aos professores.

Recentemente o próprio ministro da educação disse que hoje nós temos estudantes brasileiros que com 9 anos de idade não sabem ler mas eles sabem colocar uma camisinha. Isso não é de forma alguma uma forma de um ministro da educação se colocar. É um vexame. Além de ser um desrespeito com as nossas crianças. É uma pregação cuja intenção é de fato solapar a confiança na escola, suas relações internas e também externas, com os pais e a comunidade, para implantar o que eles acham que é certo, que é a chamada ‘home schooling’, que é a escola familiar.

A reforma do ensino médio é um exemplo da simplificação da educação, em que sociologia e filosofia foram sacrificadas em termos de carga horária.  No que se refere à política nacional de livros didáticos, o que a gente está assistindo é a censura. As editoras estão sendo compradas por grandes corporações em conluio com essa política. É uma articulação em nível mundial, não é só aqui no Brasil, nós apenas estamos dentro desse contexto. Atrás do Ministério da Educação tem as investidas de empresários, políticos, militares, especialistas articulados por gabinetes estratégicos como o chamado “gabinete do ódio”.

O que esse pessoal todo tem em comum? Uma reação aos poucos avanços educacionais que foram alcançados pela sociedade brasileira nas últimas duas décadas, e a defesa dos privilégios de uma minoria que quer a todo custo manter as camadas populares sem acesso ao conhecimento.

Lembram o que Paulo Guedes disse quando o dólar estava a R$1,80? “Ah, uma festa danada! Empregada viajando pra Disneylandia”. Lembram quando ele disse: “atualmente as pessoas estão vivendo até os 100 anos, o Estado não dá conta de arcar isso”? E com relação ao FIES – Fundo de Investimento ao Estudante do Ensino Superior – o que ele disse “que filho de porteiro está entrando na faculdade”.

É um poder político reacionário sustentado pelo capital transnacional que mobiliza as velhas classes médias, temerosas da mobilidade social das camadas populares. Mobiliza também setores privilegiados dos trabalhadores, principalmente masculino e branco, que não querem perder seus espaços no mercado de trabalho. É uma cultura neofascista, caracterizada pela ideia de supremacia racial e/ou cultural, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, ataque também aos povos originários… É realmente a banalização da violência, simbólica e com fascínio pela dominação.

A educação é atingida por esses valores. Nós democratas aprendemos e a crer e a defender que o estado deve prover aos cidadãos os seus direitos sociais e que todo direito social é uma classe dos direitos humanos. Tá lá na Declaração Universal que foi promulgada pela ONU em 1948.  Só que a realidade brasileira de hoje, e mesmo a mundial, tem se mostrado contrária à efetivação desses pressupostos.

A PL 5595/20 que considera a educação como atividade essencial, a educação presencial, intimando portanto a volta às aulas, sem condições sanitárias que garantam a segurança da saúde das pessoas. Esse entendimento da educação como uma atividade essencial tá relacionado com o fato da Organização Mundial do Comércio ter definido a educação como um gênero de serviço: uma mercadoria, assim como agora tudo tá virando mercadoria. E o aluno passou a ser o quê? Um cliente. Enquanto os cursos ministrados são tratados como produtos que têm que estar em sintonia com as demandas do mercado. Uma lógica que atende ao interesse do setor privado e as fundações, institutos, editoras, que se colocam como tutoras das escolas públicas, estão tomando a educação como atividade essencial dentro de um sentido ligado a esses interesses mercantis. E essa palavra “essencial” vem como um ardil pra impor esses interesses dominantes.

E a motivação disso não é considerar a educação como atividade essencial tal qual nós pensamos a essencialidade dela. É lógico que a gente entende que a COVID-19 está trazendo um enorme prejuízo pras nossas crianças e jovens em relação à educação, só que essa PL 5595 quer reativar a economia a todo custo para quê? Para fazer circular as mercadorias e continuar a máquina da produção dos lucros.

O Ministério da Educação promove regressões e constrangimentos aos educadores, estudantes e escolas em geral, restaurando concepções arcaicas e irracionais mesmo no plano das ciências da natureza, como uma forma de banalizar a ignorância. Tudo no sentido de conformar os alunos a serem consumidores dispostos a colaborar com esse reinado do mercado.

Há um trecho do livro do Lukács “Introdução a uma estética marxista” em que ele narra os apaixonados conflitos em torno da teoria de Copérnico que levaram Giordano Bruno à fogueira e Galileu à inquisição. Se a  ciência deve ou não ter o direito de investigar sem preconceito todas as coisas, mesmo que os seus resultados não concordem com os dogmas da religião – são  discussões ideológicas entre o feudalismo caduco e a burguesia ascendente. Atualmente é semelhante ao que Lukàcs coloca.

São processos que se mostram necessários para responder ao aprofundamento da crise capitalista em esfera mundial. Estamos vivendo situações limites em que essas agressões também se estendem ao planeta: o desmatamento, os efeitos nocivos de monoculturas, a problemática das guerras… E nesse contexto grave vem os problemas do mundo do trabalho com a reforma trabalhista de 2017, a produção do desemprego com o sentido perverso de fazer com que os trabalhadores se submetam a condições precaríssimas de trabalho e a não reagirem à liquidação da legislação protetora do trabalho. Então toda a sociedade entra em crise. O trabalho entra em crise. Então tudo isso faz o quê? A educação entrar em crise, a cultura entrar em crise, o direito ao conhecimento entrar em crise.

Porque a educação pressupõe uma relação muito próxima com o mundo do trabalho: “formar” as pessoas. Como é que a gente forma os jovens para esse contexto? A crise social fortalece essa política anti-cultura, anti-educação, do Ministério da Educação. Para esses trabalhadores basta fornecer saberes utilitários descartáveis, apoiados em evidências rotineiras, adaptados para contexto tecnológicos muito delimitados, e de rápida obsolescência. A precarização do ensino é acompanhada pela expansão do ensino à distância. Com isso as grandes firmas de tecnologia podem obter seus lucros e o estado também poupa porque pode dispensar uma série de professores. Os conteúdos são alvo. As humanidades são as mais prejudicadas. Mas as ciências da natureza também são atingidas.

A questão do currículo também está dentro de um contexto em que é preciso para o neofascismo destruir formas críticas de pensar, e fazer com que o ensino e aprendizagem da massa dos alunos das camadas populares seja o ensino da ignorância, a diminuição da  qualidade civilizatória das gerações, a destruição da escola é que está em jogo e de todas as formas possíveis.

O direito à cultura e à educação é fundamental para priorizar a resistência a essa destruição social.  Educar por meio do juízo crítico. Oferecer bases científicas sólidas, capacidade argumentativa, enfim desenvolver a capacidade da resistência intelectual às manipulações midiáticas. O exemplo das fake news é cabal. As pessoas são manipuladas por essas estratégias. É fundamental fortalecer essa capacidade de reflexão e de juízo crítico. Pra isso é necessário implementar projetos democráticos, inclusivos e plurais. Coisa muito distante do que o atual Ministério da Educação está providenciando. Enquanto protegem um determinado setor educacional destinado a formar elites científicas, técnicas, gestionárias, onde os filhos dos porteiros, das empregadas domésticas, e dos trabalhadores em geral, não podem entrar.

Está muito evidente a estratégia de rebaixar moralmente todos os que ensinam. A ideia deles é reeducar os professores pois os professores precisam aprender a trabalhar de outro modo. Militarizar as escolas. Fazer as parcerias com os empresários. Ao lado do corte de orçamento, que agora se tornou muito mais forte. É um projeto. Um projeto de política educacional de liquidação do direito ao conhecimento para a produção de pessoas com conhecimentos precários. É uma guerra contra as classes populares.

Edição/resumo feito por Maria Rita Nepomuceno sobre o depoimento da Prof. Lucília Machado, durante o encontro ‘O direito ao conhecimento e a anticultura no Ministério da Educação’. Maria Rita atua na área de criação e curadoria em audiovisual e apoia os Estados Gerais da Cultura.

 Lucília Machado é pós-doutora em Sociologia do Trabalho, doutora e mestre em Educação, graduada em Ciências Sociais, é professora titular aposentada da UFMG.

O direito ao conhecimento e a anticultura no Ministério da Educação

O encontro coloca em pauta o assunto privatização da educação pública que hoje preocupa educadores brasileiros pelo rápido, crescente e silencioso movimento feito por grandes corporações de ensino privado. Essas empresas, que mercantilizam a educação, desenvolvem “pacotes educacionais” buscando padronizar o ensino em nosso país, que é lindo e singular pela diversidade. Outro tema em pauta e que preocupa educadores, é o movimento de compra das editoras de livros didáticos por essas corporações privadas de educação e com a declaração do Bolsonaro afirmando que em 2021 os livros didáticos seriam “deles”. A luta é por um Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) Democrático!

O que é o PNLD

O PNLD é um programa que formata por segmentos o material didático, pedagógico e literário para as escolas públicas da Educação Básica. Constitui material imprescindível para os/as docentes em suas atividades de ensino e oferecem subsídios fundamentais aos/às estudantes.

O PNLD 2021, apresentado pelo ministério da educação do governo Bolsonaro, representa uma política educacional de mudança estrutural em um contexto de projeto político de desmonte da educação pública, democrática e emancipatória. Orienta o preparo de materiais didáticos e do currículo escolar alinhados à BNCC e à Reforma do Ensino Médio, frutos de uma contra reforma educacional voltada somente para o mercado e de natureza privatista.

O Plano Nacional do Livro Didático proposto dilui o conhecimento escolar pelas chamadas “habilidades e competências” de mercado, reorganizando a lógica do currículo por áreas que têm por foco aligeirar o ensino e, apesar de se propor integrador, destitui qualquer concepção pedagógica interdisciplinar autêntica.

Em algumas instituições de ensino da rede federal já estão chegando os novos livros da área de humanas do Bolsonaro. Um livro de 400 páginas com todas as disciplinas de humanas condensadas e com várias manipulações de conteúdo para se alinhar ao projeto de dominação desse governo autoritário. Esse livro de 400 páginas é para os três anos do ensino médio, 133 páginas por ano para todas as disciplina de humanas.

Como essa investida direta do capital na educação pública afeta o desenvolvimento cultural independente e emergente de um povo e o direito ao conhecimento?

Prof. Fábio Bezerra – Professor de Filosofia da Tecnologia no CEFET,  Mestre em Educação Profissional e tecnológica e membro do Conselho Municipal de Educação de Belo Horizonte e da Coordenação da Rede Tecnológica de Extensão Popular ( RETEP) e do Conselho Editorial da revista Novos Temas do Instituto Caio Prado Júnior.

Profa. Lucília Machado – Pós-doutora em Sociologia do Trabalho, doutora e mestre em Educação, graduada em Ciências Sociais, é professora titular aposentada da UFMG. Atua principalmente nos seguintes temas: pedagogia do trabalho; trabalho-educação; formação humana; trabalho como princípio educativo; escola unitária; politecnia; educação profissional e tecnológica; formação de professores da educação profissional; políticas públicas.