“Portinari ajudou o Brasil a ver o Brasil de verdade”

Os retirantes – Cândido Portinari

A arte transforma e Portinari está aí para nos mostrar isso, um homem que teve a coragem, numa época muito mais difícil que a nossa, de olhar para o brasileiro invisível, ele nos mostrou quem nós éramos. Então, vou hackear um um outro poeta que também tinha os pés no chão de barro – o Manoel de Barros, que escreveu O Fotógrafo e transformar o poema em O Pintor.

O pintor (do orginal O fotógrafo, de Manoel de Barros)

Difícil pintar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada minha aldeia estava morta
não se ouvia um barulho, ninguém passava entre
as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha tela.
O silêncio era o carregador?
Estava carregando o bêbado.
Pintei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha tela de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Pintei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais que na pedra.
Pintei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Pintei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Pintei o sobre.
Foi difícil pintar o sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calça.
Representou para mim que ela andava na aldeia
de braços com Maiakovski — seu criador.
Pintei a Nuvem de calça e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
O quadro ficou legal.

Ahhhh…. Portinari!

Portinari viu o perdão no olho do mendigo. Portinari viu o que o povo brasileiro não podia ver, o que estava escondido e mostrou para nós em suas telas. Portinari ajudou o Brasil a ver o Brasil de verdade. Não aquele que tentava imitar a capital dos colonizadores – o que nós éramos. A beleza do que nós somos!

Os Estados Gerais da Cultura homenagearam o pai de João Cândido, grande Cândido Portinari, que por intermédio de suas obras lembraremos sempre da nossa verdadeira face.

Pensata idealizada pelo ator Eduardo Tornaghi

Portinari e os Direitos Humanos

Artes plásticas e seu importante papel na sociedade ganham destaque na pauta dos Estados Gerais da Cultura deste domingo. A escolha por Cândido Portinari, um dos mais expressivos nomes do modernismo brasileiro, não foi por menos. Portinari foi o artista que mais deu força a temática social e retratou o homem, o trabalhador, o Brasil sofrido em suas telas.

Nada mais justo e relevante do que convidar o próprio filho, João Cândido Portinari para contar sobre as obras de seu pai e a catalogação que vem fazendo, como também um pouco sobre a luta de mais de 20 anos para tornar realidade um sonho: transformar a casa, onde viveu Cândido Portinari no Cosme Velho, Rio Janeiro, num centro de arte, cultura e educação e evitar que o imóvel desapareça pela especulação imobiliária.

Cana-de-açúcar – 1938
Retirantes – 1944

Durante o debate, a artista plástica Ester Fabiana Sterenberg estará pintando uma tela e o violeiro Julio Santin fará a apresentação musical. Um encontro imperdível para os amantes da arte e da cultura, considerando também a programação de rotina, que prevê a abertura feita pelo cineasta Silvio Tendler e a leitura de uma Pensata, um texto reflexão sobre um assunto da atualidade na voz do ator Eduardo Tornaghi.

Portinari

Cândido Portinari foi pintor, gravador, ilustrador e professor. Um dos mais importantes nome do modernismo brasileiro, reconhecido internacionalmente. O estilo de época que se denominou modernismo surgiu no início do século XX, num período de grande tensão entre as potências européias, que culminou nas duas grandes guerras mundiais e foi transgressor, antiacadêmico e nacionalista. Teve algumas fases e fez história na literatura, nas artes e na ciência.

Portinari nasceu em Brodowski, interior de São Paulo e viveu muitos anos no Rio de Janeiro, onde veio falecer em 1962. O artista, mesmo mudando suas técnicas ao longo do tempo, nunca perdeu o foco no homem brasileiro e suas mazelas sociais. Em sua trajetória como artista ganhou muitos prêmios em salões de artes e morou na França no ano de 1930 após ganhar o Prêmio de Viagem a Europa, lá aproveita visitar museus e estudar muito.

Portinari retorna da Europa animado para pintar quadros exaltando a cultura brasileira, seu povo, sua natureza e sua história, sempre em caráter de denúncia. Além de retratar as questões sociais de seu país, Portinari é bastante influenciado pelos movimentos artísticos da Europa como o Cubismo e o Surrealismo.

O filho, João Candido Portinari, engenheiro de profissão, deixou as Ciências Exatas para resgatar a memória de seu pai. Durante décadas trabalhou na catalogação de todo o acervo de Portinari, que segundo o herdeiro, que detém os direitos autorais das obras, estava fragmentado. Graças ao levantamento minucioso feito por ele, foi possível catalogar mais de cinco mil pinturas e 30 mil documentos relacionados a esses trabalhos. A maioria invisíveis ao público. Obras mais conhecidas no Brasil de Portinari: Mestiço, Café, Retirantes, Cana-de-Açúcar, Guerra e Paz…

“É um grande paradoxo um artista que pintou de forma tão emocionada a alma do povo brasileiro ter seus trabalhos longe do povo. Numa busca que fizemos encontramos obras dele na Filândia, Haiti, e achamos documentos em mais de 20 países”, lembra João Cândido. (Fonte: O Globo, 2011).

Casarão Cosme Velho

O  casarão situado no número 343 da Rua Cosme Velho, Zona Sul da capital fluminense, onde morou, entre 1943 e 1950, Candido Portinari, encontra-se em um estado de degradação, com cômodos sem telhado e paredes caindo, correndo sério risco de desabar.

Vale ressaltar que o imóvel, tombado provisoriamente em 2011 pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), foi doado ao Projeto Portinari para a criação de um centro de cultura em memória ao artista. No entanto, o Inepac não conseguiu angariar patrocínios e apoio para a realização da iniciativa e, por isso, a casa acabou devolvida aos donos há dois meses.

Para o João Candido Portinari, é um sonho que ainda não tornou-se realidade porque há mais de 20 anos vem lutando para regularizar a situação do Casarão e transformá-lo em um centro de cultura e conhecimento sobre o trabalho realizado pelo pai no campo das artes plásticas.

João Candido Portinari

João Candido Portinari é Ph.D. pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT/EUA) e fundador do Projeto Portinari, que desde 1979 dedica-se ao regaste e à democratização da vida e obra de seu pai, o renomado pintor brasileiro Candido Portinari.

O projeto contribui para o conhecimento histórico-cultural do País, promove a arte e a educação para crianças e adolescentes brasileiros, além de recuperar o legado pictórico, ético e humanista de Portinari por meio dos programas Levantamento, Pesquisa e Catalogação, e Democratização de um abrangente e detalhado acervo documental sobre a obra, vida e época do artista. Até o momento, 5.400 obras e 30 mil documentos compõem o acervo documental do Projeto Portinari, disponíveis gratuitamente em: Portinari ou no Google Arts and Culture Program