A Resistência da Arte. A Arte da Resistência

A dupla é perfeita! Ambos geniais como médicos que acreditam na arte como terapia para restabelecer a saúde mental das pessoas. Vitor Pordeus e Antonio Quinet foram convidados pelos Estados Gerais da Cultura para um bate-papo incrível. Para mostrar que o ser humano não vive sem arte. Que a arte é cura, a arte é resistência.

Antonio Quinet é psicanalista, doutor em filosofia, professor universitário (UVA), dramaturgo e diretor da Cia. Inconsciente em Cena. Autor de vários livros de psicanálise publicados no Brasil e no exterior assim como de peças de teatro encenadas em várias cidades do mundo. Sua obra Inconsciente Teatral, acaba de ser lançada na França (L’Inconscient Téâtral – Editions Nouvelles du Champ lacanien).

“Um dos maiores nomes da psicanálise lacaniana no país – começou a fazer teatro e foi considerado um “herege” tanto pelo meio psicanalítico quanto pelo meio teatral. “No seu último livro Inconsciente Teatral, o autor descreve a dificuldade que encontrou para que fosse aceito seu trabalho de transmissão da psicanálise pela via de teatro. Mas, ao longo destes anos, seus espetáculos lotam teatros no Brasil e em outras partes do mundo, tendo já encenado suas peças em Paris, Nova York, Londres e lançado seus livros de psicanalise em várias cidades do Brasil e do mundo.

Quinet desenvolve e demonstra amplamente a tese de que o Inconsciente é estruturado como um teatro. Ele mostra como Freud e Lacan utilizaram o teatro, respectivamente, para criar e renovar a psicanálise, com os conceitos de conflito, cena, catarse, tragédia (Édipo Rei e Antígona) e o ato do analista como uma representação teatral (semblante lacaniano”. Fonte: Atos e Divãs

Vitor Pordeus tem 40 anos, é ator e médico psiquiatra. Pesquisador do Laboratório de Imunobiologia da Universidade Federal de Minas Gerais desde 2003. Formado em Teatro pelo Instituto Tá Na Rua para as Artes, Educação e Cidadania; fundou em 2008 o Laboratório TupiNago de Arte e Ciência, foi Coordenador-Fundador do Núcleo de Cultura Ciência e Saúde do Instituto Municipal Nise da Silveira; Fundador do Teatro de DyoNises, Hotel e Spa da Loucura e Universidade Popular de Arte e Ciência no Rio de Janeiro; Atualmente é Professor do Curso “Arte e Saúde Mental” da Divisão de Psiquiatria Social e Transcultural da Universidade McGill, Montreal, Canada desde 2015. Ganhador do Prêmio Patrícia Accioly de Direitos Humanos conferido pela Associação de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 2017. Carioca de Realengo, vive e trabalha no Rio de Janeiro como psiquiatra transcultural comunitário e ator.

Pordeus realiza a atividade teatral como tratamento psiquiátrico há 12 anos. Desde o tempo em que trabalhava no  Hospício do Engenho de Dentro (durante sete anos), onde a médica Nise da Silveira trabalhou 50 anos.   O teatro de DyoNises realiza uma atividade expressiva e tem documentado e publicado efeitos terapêuticos contra  psicoses crônicas. Isso é uma continuidade do trabalho de Nise da Silveira, médica psiquiatra que revolucionou o tratamento da doença mental no Brasil.

 “A gente conseguiu produzir o modelo científico dela”, frisa Vitor. “Por isso acho muito importante discutir isso e querer falar abertamente sobre a questão porque estamos numa pandemia de saúde mental”, alerta.  “Uma pandemia infecciosa que por baixo existe um componente neuropsiquiátrico muito mais perigoso, muito mais mortal, que está matando muito mais gente de depressão, suicídio. Inclusive, o Covid é de maior risco em pessoas com doença mental grave”.  Fonte: PanHoramarte

Contaremos também com a participação do ator, cantor, poeta baiano Luiz Carlos Bahia, um ativista cultural com muitas facetas nas artes. Um arteiro. Fundador da gravadora CPC-UMES que lançou vários músicos independentes e com uma carreira riquíssima no teqtro, cinema e televisão.

Não podiam faltar, como de praxe, as presenças do ator e poeta Eduardo Tornaghi e de nosso anfitrião Silvio Tendler, cineasta utopista, agitador cultural e idealizador do EGC.

A Flor e a Náusea

foto por Mari Weigert/2023

Carlos Drummond de Andrade

Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjoo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.

Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

A nossa conversa é dedicada ao teatro neste 42o Encontro. Teatro acontece em tempo real.Teatro é aquele espaço onde se pode viver numa mesma situação e reagir juntos, descobrir quem são, o que pensam, como se sentem. É o lugar onde a gente cria a nossa mentalidade comum.

Teatro, a mágica! Ele diz aqui: Sob a pele das palavras, as cifras e códigos. Teatro é o lugar onde se decifram as cifras e códigos por trás das palavras. Teatro é ação. É uma coisa que acontece como a vida. é transformação. Que triste são as coisas sem ênfase. Teatro é onde você coloca ênfase e que permite enxergar o que é importante por trás do que aparece banal. Mas como fazer teatro sem poder aglomerar. O que significa um teatro em que eu rio e não sinto as gargalhadas à minha volta acomodando e aconchegando o meu riso, em que eu choro e me desespero e não sinto o tremor da plateia ao meu lado. Como fazer essa experiência viva a distância.

É isso é que vamos tentar responder hoje porque teatro é como essa flor. Ela nasce, ela atravessa a náusea o asfalto, enfrenta a polícia e nasce a cada vez para que a gente possa entender o que está acontecendo.

Pensata na voz de Eduardo e Tornaghi no tema Teatro Remoto e Resistência Artística.

Teatro Remoto e Resistência Artística

Os Estados Gerais da Cultura reúnem um grupo exemplar na produção de arte como militância em política e questões sociais, para falar sobre Teatro Remoto e Resistência Artística. Será um encontro memorável com a filha de Luiz Carlos e Olga Prestes, que carrega na sua trajetória parte relevante da história do comunismo no Brasil e junto com ela três nomes do mundo artístico, Fernanda, Vera e Fábio, que colocam em primeiro plano a poética da vida refinada pela arte.

Anita Leocadia Prestes nasceu em 27 de novembro de 1936 na prisão de mulheres de Barnimstrasse, em Berlim, na Alemanha nazista, filha dos revolucionários comunistas Luiz Carlos Prestes, brasileiro, e Olga Benario Prestes, alemã. Autora de vasta obra sobre a atuação política de Luiz Carlos Prestes e a história do comunismo no Brasil, é doutora em história social pela Universidade Federal Fluminense, professora do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto Luiz Carlos Prestes. Publicou, pela Ed. Boitempo Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro (2015), Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo (2017) e Viver é tomar partido: memórias (2019).

Vera Novello é atriz, autora, produtora e professora. Há 26 anos à frente da Lúdico Produções, realizou mais de 130 projetos de teatro, ballet, ópera, patrimônio. Em 2019 produziu e atuou em “Vianinha conta o último combate do homem comum” – dir. Aderbal Freire Filho no Sesc 24 de maio (SP). Escreveu em parceria com Ana Velloso o premiado musical infantil “O Choro de Pixinguinha”, que circulou no SESC Rio também em 2019. Durante a pandemia produziu espetáculos online como “Segredo de Justiça” inspirada no livro da Juíza Andréa Pachá; “The And”, de Isabel Cavalcanti de Cláudio Gabriel, a partir da obra de Beckett; “Mãe-De-Ninguém” projeto do grupo Yonis Magníficas; entre outras. Em 2021, atuou e produziu “Atlântida – uma radionovela”, em cartaz no Canal Sesc /Youtube.

Fábio Ferreria é diretor teatral, dramaturgo, tradutor e professor universitário. Escreveu crítica teatral em publicações como o Jornal do Brasil/Caderno B, Revista Bravo!, Revista Gesto e Revista Questão de Crítica. Doutor em Literatura, Cultura e Contemporaneidade pela PUC Rio/ Universidade de Copenhagen. Professor da PUC Rio/Artes Cênicas e Letras, atuando também no Curso de Especialização em Arte e Filosofia, do Departamento de Filosofia, da PUC Rio. É diretor artístico da Cia Bufomecânica junto com Claudio Baltar. Criou os Festivais Rio
Cena Contemporânea e ArtCena: Processos de Criação. É curador internacional de artes da cena.
Pesquisador do Grupo de Estudos sobre Samuel Beckett, da USP/CNPq.

Fernanda Azevedo é atriz, professora e pesquisadora teatral. Mestre em teatro pela Unesp. Integrante Movimento de Teatro de Grupo de São Paulo e do Coletivo Comum.

O encontro contará com a dupla musical da Associação Zona Franca, Alejandra e Bruno Menagatti, uma Pensata na voz de Eduardo Tornaghi, abertura pelo cineasta Silvio Tendler, e mediadores.

Teatro Cego. Você Precisa Não Ver

Teatro Cego é um formato de espetáculo teatral no qual a peça acontece no completo escuro e no decorrer da trama, os espectadores são convidados a explorar os sentidos do olfato, paladar e tato, abdicando de certa forma da visão.

Durante o espetáculo, sons, vozes e cheiros chegam à plateia vindos sempre de locais diferentes, dando a sensação de que ela está realmente inserida no ambiente cênico. Essa condição ímpar também insere o público no universo dos deficientes visuais. Atualmente o Teatro Cego conta com três espetáculos nesse formato:

  • O Grande Viúvo
    A peça é baseada no conto “O Grande Viúvo” extraído do livro “A Vida como ela é”, de Nelson Rodrigues, e conta a história de um viúvo que, após ter perdido sua amada esposa, comunica à família que também quer morrer e ser enterrado junto à falecida. Porém, não antes de construir um mausoléu, onde os dois corpos, o dele e o da esposa, deverão repousar lado a lado. A família, inconformada, tenta a todo custo convencê-lo a desistir do suicídio, mas tem apenas o tempo da construção do mausoléu para fazê-lo. Enfim, baseada em calúnias sobre a falecida, encontra uma forma inescrupulosa de evitar a tragédia. Mas, o resultado disso tudo acaba sendo totalmente inesperado para todos.
    Adaptação e direção: Paulo Palado
  • Acorda Amor
    Um espetáculo que tem trilha sonora composta por canções de Chico Buarque e que são executada ao vivo pela banda Social Samba Fino. As músicas interpretadas durante o espetáculo vão costurando a trama que se passa completamente no escuro. O espetáculo conta a história de quatro jovens que lutam contra a ditadura militar nos anos 70. Enquanto tentam driblar os militares, Paulo, Lucas e Cesar lutam também pelo amor de Natasha. O amadurecimento das relações entre esses quatro jovens, ao mesmo tempo em que aprendem a lidar com a situação do seu país, é o que move toda a trama.
    Texto e direção: Paulo Palado
  • Clarear – Somos Todos Diferentes
    Um espetáculo leve e bem-humorado que mexe com a sensibilidade do público.
    Cinco jovens dividem a mesma república: uma deficiente visual, um deficiente auditivo, um argentino, uma torcedora fanática do Juventus da Mooca e uma cadeirante. Com muito bom humor, a trama mostra a superação de dificuldades de comunicação e convivência, através da sinergia da amizade, em um espetáculo que conquista a plateia com um paradoxo entre a complexidade e a simplicidade do tema.
    Texto: Sara Bentes Direção: Paulo Palado

Paulo Palado é ator, dramaturgo e diretor do Teatro Cego. Para a companhia, adaptou o conto de Nelson Rodrigues para a peça “O Grande Viúvo” e escreveu o texto “Acorda , Amor!” para o espetáculo musical que conta com canções de Chico Buarque. Também é autor de “Um Outro Olhar” espetáculo ainda inédito do Teatro Cego.

Edgar Jacques é ator formado pelo Teatro Escola Macunaíma e deficiente visual. É ator do Teatro Cego desde 2015 e a partir deste ano, tendo realizado cursos com Rosa Matsushita, Viviane Sarraf e Francisco Lima, trabalha como consultor em audiodescrição nas diversas áreas da cultura. Edgar já prestou consultoria para empresas como Iguale, Ver Com Palavras, Show Case, ETC Filmes, TV Cultura, entre outras. Acumulando assim cerca de 600 títulos com audiodescrição consultada no mercado do audiovisual.

Ian Noppeney é ator formado no TECH (Teatro Escola Célia Helena) desde 2015. Fez a Formação de Máscara Teatral no Centro de Pesquisa da Máscara em 2018, ministrado por Fernando Martins e Felipe de Galisteu. Estreou no teatro profissional em 2014 com o Grupo Teatro Cego no espetáculo “Acorda, Amor.”Ainda com o Grupo Teatro Cego participou dos espetáculos “ O Grande Viúvo” e “Clarear”. Com direção de Ednaldo Freire atuou no espetáculo “ Mais vale um Asno que me Carregue, que Cavalo que me derrube” pela Cia. Quintal do Aventino, e como integrante da Fraternal Cia. de Artes e Malas Artes atuou nos espetáculos “Nosotros” e “ A Gira da Rainha,Em 2019 atuou no espetáculo “O Rei do Cais”, espetáculo de Commedia Dell Arte pelo Grupo do Centro de Pesquisa da Máscara.Integra o Grupo Pano atuando no espetáculo “Pano.Fim.” Que teve sua estreia em outubro de 2019.
É professor de Teatro do Colégio Augusto Ruschi desde 2016. Ministrou aulas de teatro no Colégio Nossa Senhora do Morumbi e no São Paulo Futebol Clube.

Sara Bentes é cantora, compositora, escritora e atriz, premiada internacionalmente, com shows nos Estados Unidos, Inglaterra, Tailândia, Argentina, Suécia, Turquia e Itália; tem 5 livros e 4 discos lançados, além de alguns EPs e singles. Atriz do Teatro Cego desde 2012, é autora de “Clarear”, uma das peças da companhia.