Cultura faz jovens sentirem-se donos de seus destinos

Foto por FreePik

Para lembrar a todos nós: quando o governo federal termina com o Ministério da Cultura, lembrar que não só a cultura, que é base de tudo, da economia que ele tanto preza, é também um elo de ligação entre todos esses que estão realmente construindo a cultura. Não é o Estado quem promove a cultura é o povo que constrói. Cultura só se realiza de baixo para cima. Não há outra cultura possível.

Eu quero dedicar esse este dia de hoje a todos aqueles concidadãos que acham que o povo brasileiro é muito passivo. O povo brasileiro não é passivo, não. Não está parado. O povo brasileiro está construindo esta nação. E dentre as pessoas do povo brasileiro, Silvio Tendler falou especialmente em professores, destacamos aqui essa classe de servidores públicos, como professores, como Veríssimo, como Amanda. Enfim, há um exército, um enorme contigente de pessoas trabalhando e construindo esse país.

Se você está meio desanimado, sentado, não reage, procure se aproximar desses grupos e vai ver o que está acontecendo. A ação não é só participar ou não. O nosso povo aprendeu que participar é Balaiada, Cabanagem, Canudos, Contestado.

Entre esses tenho muito prazer de apresentar Julio Ludemir, o autor do livro ‘Sorria você está na Rocinha’, que abriu as portas da literatura para toda uma geração. Um homem que inventou o movimento, pegando carona na fama do FLIP, criando o FLUP, e espalhou debates pelo Rio de Janeiro inteiro, botou gente para fazer oficinas, editar livros.

E Veríssimo botou bloco na rua partindo do seu trabalho de professor no município, conseguiu movimentar toda uma comunidade para compreender sua cultura. Sentir que é dona de seu destino.

Reflexão proposta por Eduardo Tornaghi no encontro sobre: Teatro, Literatura e Dança: a potência dos territórios

Guerra cultural e retórica do ódio

João Cezar de Castro Rocha é escritor, historiador, enxadrista e professor de Literatura comparada da UFRJ. Considerado um dos intelectuais mais importantes do Brasil da atualidade, seus estudos concentram-se na contribuição da teoria mimética para o contexto cultural da América Latina, bem como a discussão da atualidade do movimento antropofágico e dos escritos de Machado de Assis no momento contemporâneo. Fonte: Wikipédia

Os encontros dos Estados Gerais da Cultura contam com a participação de um artista, em música ou teatro, e mais reflexões em texto ou poesia sobre o tema, que normalmente são apresentados pelo ator Eduardo Tornaghi. A abertura tradicionalmente é feita por Silvio Tendler e mediação Janine Malanski e o Célio Turino.

Melina Mulazani é a artista da vez no vigésimo quarto encontro. Trabalhadora da arte, arte educadora, fundou o trio Vocal As Noivas do Allfreeddo e o Grupo Mundaréu. Compõe, canta, dança, cria e constrói a própria identidade visual seguindo os passos da Mestra Efigênia Rolim. Louca por lixo brilhante e carnaval. Preparadora corporal e vocal, trabalha com vozes para estúdio e principalmente na pesquisa da voz relacionada a saúde, identidade e performance.

Por que a favela é cidade

Foto via site Xapuri

Adair Rocha, neste artigo, analisa a ampliação territorial nas cidades e seu significado. Apresenta-nos o pensamento dicotômico entre favela e cidade dentro dos padrões clássicos: o caos urbano se associa ao dualismo e à cidadania e, também, fala da necessária e íntima relação direta entre direito e acesso

“Na cidade multicêntrica: Favela é cidade Racismo é pandemia Cultura é significação Comunicação é comunitária”

A natureza ou o caráter multicêntrico da cidade tende a ampliar suas significações, de potencialidades e de fragilidades para os limites e possibilidades de seus territórios.

De saída, questiona o pressuposto pautante das mídias comerciais que reproduzem a dicotomia classista, classificatória ou moralista, onde o asfalto e a periferia dividem o projeto urbano em enriquecidos e empobrecidos, com a consequente leitura moralista da circulação limite do bem e do mal.

Nesse sentido, a produção do imaginário plasma a presença da cultura escravocrata como “natural” da produção do projeto urbano, num olhar genérico que reproduz a lógica da Casa Grande (asfalto) e da Senzala (favela), com suas variações em cada território. Torna-se mais comum na disposição do asfalto onde, em geral, se situam as instituições, das constituições familiares, institucionais, acadêmicas, comerciais, da qualidade da mobilidade etc.

O sistema hierárquico piramidal pauta as relações do quarto de empregada, situado depois da área de serviço, reduzido a uma cela prisional, ao lugar reservado aos ascensoristas, portarias, caixas, condutores etc. O que leva a entender o barulho das “cotas” raciais, quer nos pré-vestibulares comunitários ou em toda política pública de acesso e suas dificuldades de implantação, ao tempo que a cidade multicêntrica se move na produção de “intelectuais orgânicos” que repensam a cidade, a partir da potência e da fragilidade do seu todo.

Esse texto e contexto da cidade, em tempo pandêmico, escancarou-se. A política pública de saúde e dos quesitos básicos, em geral, são propriedade do asfalto, com condições de isolamento doméstico social, como vacina antes da vacina, com seus cuidados sanitários, garantidos pelo poder econômico e pela infraestrutura pública. Favelas e periferias “se viram” na solidariedade e em parcerias institucionais e suas formas de organização locais. Assim, quando pronunciamos a palavra “cidade”, explicitamos sua inspiração e significado, que é cidadania. Portanto, há relação direta entre direito e acesso.

Daí decorre que a existência das favelas, como parte do projeto urbano, ao pronunciarmos a palavra cidade, ela carece de vir acompanhada de INCOMPLETUDE, no mínimo. Portanto, quando esse imaginário indica “normalidade”, está instituída a lógica da Casa Grande e da Senzala e, em decorrência, a presença da escravidão ainda hoje, como parte do sistema capitalista, como dito antes.

POR QUE FAVELA É CIDADE

O projeto nasce com uma contradição explícita: seu casamento com o cimento armado e a saudade da terra, de recente história, no caso do Brasil e do Rio, na inversão do rural para o urbano, com a tardia chegada da Revolução Industrial por aqui. Coincidindo com a chamada libertação da Escravidão, narrada por diversos autores, a necessidade do trabalho livre, cobrindo o que, sobejamente, se chamava também de indolência “indígena”, tida como preguiçosa para o desenvolvimento do processo social de produção.

Há aí, portanto, um fulcro de natureza cultural ideológica. Na convivência conflitiva de acúmulo e escassez, há que se entender a relação de causa e efeito e, portanto, a “normalidade” do projeto urbano esgarçado, que é reforçada pela necessidade de cuidar do asfalto, reprimindo a favela e a periferia. A expressão SEGURANÇA passa a figurar nas pesquisas de opinião pública como prioridade da cidade. E as demais políticas públicas, de primeira necessidade para o conjunto, fica secundarizada para a favela. Isso gera uma nova categoria: a INCOMPLETUDE, também chamada de ausências, que acabam também “normalizando” a dicotomia do binômio ACESSO/DIREITO.

A singularidade da cidade do Rio é coisa de cinema, desde a gratuidade patrimonial de sua natureza, há também imagem invertida do espelho, usado em Cidade Cerzida, que pro Leblon tem o Vidigal, pra Ipanema tem Cantagalo, pra Rocinha tem São Conrado e Gávea, pro Leme o Chapéu e a Babilônia, o anel que vai do Borel ao Salgueiro para Tijuca, e daí por diante. Assim também, saindo do Galeão, a Linha Vermelha separa um dos grandes polos de parques tecnológicos e de produção do conhecimento, das dezenove favelas da Maré, com sua potência orgânica e intelectual e resistente, convivendo com a ausência do poder público.

Na cidade cerzida e multicêntrica, o espaço urbano está em disputa com a potência dos territórios e da diversidade, que é a identidade da cidade.

Vale lembrar como a cidade vem sendo filmada a partir da favela que é a cidade, inclusive, a de Deus, que Paulo Lins oferece a Fernando Meirelles e que repercute mundo a fora, ao tempo que sugere a carta etnográfica de Eduardo Coutinho e João Moreira Salles, que problematizam o urbanismo crescente.

Abre-se então a possibilidade de perceber a presença da cultura escrava ou escravizadora, em pleno processo urbano, com a “normalidade” da existência da favela, como saída para o projeto urbano desigual, onde, inclusive, vive a maioria da população negra. Santa Marta, Duas Semanas no Morro (Coutinho) e Notícias de uma Guerra Particular (Salles), e ainda, À Margem de uma Imagem (Mocarzel), com a população de rua de São Paulo, reparam e demostram essa evidência escondida pelo imaginário produzido, como ainda demonstra o clássico “Cinco Vezes Favela”.

Diante da evidência, da potência econômica, cultural e criativa da cidade a partir da favela, a pergunta que precisa ser feita refere-se à “normalidade” do tratamento diferenciado no planejamento das políticas públicas para as favelas e periferias, o que facilita a territorialização das fragilidades, que, como dizia Hélio Peregrino, não se deve confundir o sintoma com a causa. Da infraestrutura a todos os equipamentos necessários para o acesso do bem-viver, direito e acesso não podem priorizar o asfalto.

Chegamos então, no furor feuerbachiano, da passagem de não apenas pensar a realidade, mas de transformá-la. Aí, Paulo Freire e Gramsci se encontram, na produção dos novos “intelectuais orgânicos”, via “política de cotas” e os convênios com os pré-vestibulares comunitários, grande parte da favela e da periferia, incluindo a população negra, portanto as pesquisas e os pensares urbanos e os seus dados e cálculos têm o diagnóstico, em grande parte, desde os territórios diversos e plurais da cidade multicêntrica, com as leituras de informação e significação, medidas nas perspectiva infinita das tradições e das possibilidades que movimentam mudanças que quebram hierarquias e fortalecem circularidades no caráter político, religioso e afetivo do cotidiano, com mais acesso e com mais trocas e inclusive interferem nos roteiros e sambas-enredo de carnavais, malandros e heróis, como quase perfeitamente desenvolve o antropólogo Roberto da Matta.

Para essa circulação heterodoxa da cidade, racismo é pandemia, e enquanto a vacina não vem, a pele negra já não se reveste mais de máscaras brancas, como intitula sua obra, Frantz Fanon.

DESCONSIDERANDO, INICIALMENTE

A cidade multicêntrica incorpora e recupera o sentido de cidade-cidadania, que potencializa a diversidade plural e complexa, sem se submeter à dicotomia que falseia a relação acesso e direito.

A lógica urbana centro/periferia ou asfalto/favela que se “escancarou” na pandemia, no entendimento do papel do Estado e no fetiche salarial do poder econômico, já não mais sustenta ou resiste ao papel de significação da cultura e da informação a partir do explicitado na ideia de território e de pertencimento, como profetizou, acadêmica e politicamente, o geógrafo Milton Santos, que também, entre outros, inspira “Betinho” e os arautos da democracia ao embate e combate político da fome, cujo mapa está de volta.

A cidade multicêntrica guarda o coração da cidade também percorrendo os interstícios do cimento armado, que consegue, muitas vezes, embrutecer a relação com a natureza. Os territórios onde habitam os empobrecidos é mais afeito à festa que presenteia o comum, em mutirão ou nas simbologias que mantêm as tradições, regadas pelo tempero dos antepassados e pelos ritmos que convivem com o contemporâneo, saboreando o gosto da montanha e da comida, na cidade assassina, como diz Krenak, e onde só se respira a sordidez e a perversão da negação da vida e sem o namoro com a terra.

Terra é mãe e sente a necessidade de disciplinar os filhos, como deveríamos entender a pandemia. Terra é também a medida do transcendente. Somos humanos divorciados do cosmos e buscamos muletas. Portanto, o caos urbano se associa ao dualismo – ser humano e espiritual.

A cidade multicêntrica é essa ponte!

Matéria publicada originalmente em Xapuri

Adair Rocha integra o coletivo Estados Gerais da Cultura. Nascido em Pouso Alegre, em 1950, vive há bastante tempo no Rio onde firmou forte interação da atividade acadêmica com o processo sociopolítico e cultural. É pós-doutor em comunicação pela UFRJ; professor adjunto de na PUC-Rio e na UERJ, ambas no departamento de Comunicação Social. É fundador do Núcleo de Comunicação Comunitária da PUC-Rio; autor de vários artigos publicados em revistas e em jornais periódicos e capítulos de livros nas áreas de comunicação, cultura e movimentos sociais. Gestor público de Cultura do Estado do Rio de Janeiro e no Ministério da Cultura do governo Lula.

Desengaveta Rodrigo

Quando no futuro perguntarem aos nossos descendentes como conseguimos conviver com os genocidas que nos governam, dificilmente eles terão alguma explicação convincente. Pigarrearão e tentarão mudar de assunto.


Como explicar no futuro a reforma da previdência, a reforma trabalhista, o engavetamento de tantos pedidos de impeachments, como se o Estado brasileiro formasse um arquipélago de ilhas governadas por decisões monocráticas.


Quem conseguirá explicar que no coração da Amazônia, pulmão do mundo, as pessoas morrem asfixiadas por falta de oxigênio? Não se trata de uma metáfora desses filmes de ficção científica, através dos quais as pessoas são docilizadas por medo do futuro. Está acontecendo hoje, aqui, agora. Logo ali na Amazônia.


O país está se esfarinhando… e seguimos imobilizados. Precisamos de organização popular para enfrentarmos os genocidas. 

Precisamos de um projeto de reconstrução nacional para antagonizar o neoliberalismo criminoso.
Pela reconstituição do Estado de Bem estar Social, em Defesa do Sistema Ũnico de Saúde (SUS), da Pesquisa científica, artística, cultural e educacional financiada pelo Estado.


Pela reconstituição do Ministério da Cultura com funções de Estado. Cobrar o assédio moral praticado por gestores de órgãos públicos contra funcionários.


Eles asfixiaram as atividades artísticas e culturais, acadêmicas e científicas porque sabem que não somos cúmplices e estamos denunciando as necropolíticas  praticadas por Guedes, Salles, Araujo e demais da alcatéia de predadores e propomos a construção de um mundo mais justo, fraterno e solidário, onde a centralidade deve ser o ser humano e a natureza, não o cassino financeiro.

Pelos direitos sociais estendidos a todos e todas trabalhadores e trabalhadoras nas artes e na Cultura. Pelo reinício do financiamento público de todos os PROJETOS ARTÍSTICO-CULTURAIS.


Os Estados Gerais da Cultura, a Escola Superior de Paz e o Cineclube Muiraquitã assinam o pedido do Impeachment do capitão genocida com um grito: “Desengaveta Rodrigo!”. Antes tarde do que nunca!

Texto: Silvio Tendler

Pensata lida pelo ator Eduardo Tornaghi no encontro com Bira Carvalho – Fotografia e acessibilidade na periferia

Consuelo de Paula

Consuelo de Paula é cantora, compositora, poeta, diretora artística e produtora musical de seus próprios trabalhos. Samba, Seresta e Baião (1998), lançado nos Teatros do SESC Pompéia e Ipiranga (SP); Tambor e Flor (2002), lançado no Theatro Ateneo da Argentina e no Teatro Paiol de Curitiba; Dança das Rosas (2004), lançado no Theatro Municipal de São Paulo e no Teatro Gran Rex de Buenos Aires.

Em junho de 2008 foi produzida no Japão a coletânea desses três álbuns, batizada de Patchworck, resultado de sua obra ter obtido destaque na capa do Guia Japonês Brasilian Music (Massato Asso), que selecionou os 500 melhores CDs da música brasileira de todos os tempos. Em 2011 Consuelo lançou seu primeiro livro, A Poesia dos Descuidos (Consuelo de Paula e Lúcia Arrais Morales), premiado pela Secretaria de Cultura do Estado de SP, e também seu primeiro DVD Negra, gravado ao vivo no Teatro Polytheama de Jundiaí. Negra revela novas nuances na trajetória musical de Consuelo de Paula; expressa a pulsação, a alegria e a sensualidade sugeridas pela cor vermelha. Através da voz, Consuelo cria um espetáculo que sugere uma seqüência de quadros de um filme único e envolvente e o resultado é um trabalho sensorial, caloroso, que guarda a delicadeza já presente nas obras anteriores. Fonte: site Consuelo de Paula

A artista participou do Encontro com Bira CarvalhoFotografia e Acessibilidade na Periferia