Carnaval é multicêntrico!

Embaixadores da Alegria Foto via Silvio Tendler

A interrupção abrupta de dois anos sobre o Carnaval, provocado pela pandemia covid19, tem sido pedagógico para a compreensão profunda desse fenômeno tão importante no significado da vida da população brasileira. Ele mobiliza crianças, jovens e adultos na produção dessa arte cênica que revira as vísceras do cotidiano, como processo político mais participativo, na expressão da identidade mais límpida do que significa o Brasil.Pode-se dizer que no Carnaval, politica, religião, não só se discute mas é inspiração profunda, transversalizada na potência da sexualidade, no milagre das máscaras, que INVERTE a burocracia do dia a dia

Flavio Lara, dos EGC, e a Velha Guarda das favelas Cantagalo Pavão e Pavãozinho. Segundo ele, foi acolhido e com eles foi desfilar pelo Alegria da Zona Sul lá em Madureira as 6:00 do domingo de carnaval. (imagem cedida por Flávio)

Pode-se dizer que no Carnaval, politica, religião, não só se discute mas é inspiração profunda, transversalizada na potência da sexualidade, no milagre das máscaras, que INVERTE a burocracia do dia a dia.

É no Carnaval que a história originária do Brasil e sua sequência vêm à tona, inclusive, de forma mais compreensível e universal do que nas instituições escolares. Também pudera, sem grade curricular e carga horária, que controlam as disciplinas, a música, a dança e liberdade “libidinosa”, literalmente, ganham corpo.

Silvio Tendler no Embaixadores da Alegria

A visão crítica do cotidiano obtuso e da estrutura que o condiciona, é feita com arte e de forma explícita. Todavia, a “Inversão” de classe que se verifica é de impressionar os clássicos: o asfalto se representa nas ruas, com blocos da diversidade, enquanto a grande arte cênica da Avenida Sapucaí e outras pelo país, é protagonizada pelas favelas e periferias (apelidada de “comunidades”), organizada em Escolas de Samba, que “negociam” as condições de mercado, inclusive, as transmissões visuais, com TV, marketing, design…, enfrentando as contradições do Samba Enredo e e suas Representações.

Bloco do Cccp.Comuna que os Pariu. A turma do EGC caiu na folia, Silvio Tendler, Rubens Ragone, Vladimir Santafé, Fabiana, Flávio, Tornaghi, e muito gente alegre.

Entre os tratamentos acadêmicos, destaque para o clássico do antropólogo Roberto da Matta, com Carnavais, Malandros e Heróis. O significado da casa é da rua se preenche de rituais com máscaras, estolas ou vestes brancas, deuses, demônios e “ovnis”, habitam, à vontade, a terra Brasil. Ao tratarmos do maior acontecimento nacional, banhado na diversidade e na diferença, estamos falando de um plus econômico, com dimensões quase imprevisíveis, nas relações de mercado na verba pública e na economia familiar. Os números totais são definitivos nas dimensões brasileiras da economia global.

Alegoria sobre Lampião. Imperatriz Leopoldinense, a grande vencedora do Carnaval do Rio de janeiro . foto via internet todos BdF.

A arte exibida na Sapucaí é em outros Sambódromos pelo país e a expressão popular do Pelourinho, Ondina….o Galo da Madrugada, Ponto Zero e osBonecid DF, Olinda, é produzida durante o ano todo, nas Escolas de Samba é com os diferentes trabalhadores da Cultura em todo país. A rede hoteleira e as redes de comunicação e propaganda dão conta de outra grande arrecadação e emprego de força de trabalho. Os Blocos de rua têm gastos sazonais, mas de grande porte, com milhões de participantes.
Esse acontecimento pleno e abrangente inunda o Brasil de ponta a ponta, com destaques, no entanto, para Sudeste e Nordeste, este, a bola da vez no reconhecimento de sua potência política e cultural!

E LAMPIÃO continua trazendo o Nordeste para a multicentralidade do Brasil, dessa vez, através da IMPERATRIZ!

Texto de AdairRocha
Professor titular da UERJ e
Diretor doDepartamento Cultural, da Sub Reitoria de Extensão e Cultura.

Somos todos Sacis

Não é por acaso que o saci estará presente no dia 31 de outubro. O símbolo dos Estados Gerais da Cultura, ilustração de Fúlvio Pacheco, será tema do nosso encontro-celebração que marcará uma pausa nos bate-papos de domingo. “Xô Haloim”, diz saci. Xô cultura que não é nossa e que foi imposta pelo consumo. Portanto, ‘Somos todos Sacis’- poderá ser afirmação ou pergunta – e nossos seguidores só descobrirão se assistirem o debate que será apresentado pelo professor e historiador, José Carlos S. B, Meihy, um dos idealizadores da Associação Brasileira e História Oral (ABHO).

Como Saci, nosso lendário personagem, esperto e que adora molecagens num contínuo aparecer e desaparecer mágico, os Estados Gerais da Cultura deixarão de apresentar os encontros dominicais por um tempo, para repor e energias e buscar novas linguagens de ação. O movimento estará sempre em alerta na luta em defesa da cultura brasileira.

“Xô governo genocida”.

José Carlos S. B. Meihy é professor aposentado do Departamento de História da Universidade de São Paulo, onde obteve os títulos de doutor e livre-docente e titular respectivamente em 1975, 1981 e 1992. Ocupou, na USP, a cadeira de História Ibérica e ministrou diversas disciplinas correlatas, tais como “Guerra Civil Espanhola” e “Modernidade e Conquistas Ultramarinas Portuguesas“. Atuou como professor/pesquisador visitante em diversas universidades fora do Brasil, como Standford, Miami e Columbia nos Estados Unidos e na África na Universidade Agostinho Neto, em Angola. Pioneiro nos estudos de história oral no Brasil, foi um dos idealizadores da Associação Brasileira e História Oral (ABHO), tendo sido diretor regional Sudeste nos biênios de 1994-1996 e 1996-1998. Atualmente é coordenador do Núcleo de Estudos em História Oral da USP (NEHO-USP). Tem experiência na área de História, com ênfase em História Oral, História Moderna e Contemporânea, atuando principalmente nos seguintes temas: história oral, teoria e metodologia, cultura brasileira, guerra civil espanhola, literatura e movimentos migratórios. Desenvolve pesquisas sobre processos migratórios em geral, com ênfase no tema dos deslocamentos de brasileiros fora do Brasil.

Neste encontro-celebração todo o coletivo estará junto e fará coro com o cineasta Silvio Tendler, na abertura, que com ‘Arte, Ciência e Paciência mudaremos o mundo’. O poeta e ator Eduardo Tornaghi conduzirá a pensata do dia, a mediação de Janine Malanski e na apresentação musical, o ritmo será conduzido pelos artistas Cardo Peixoto e Sol Bueno.

Política, cultura e arte. MST na transformação social

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é um dos maiores e mais articulados movimentos sociais da América Latina. Sua história é de muita luta pela terra e tem origem nas injustiças provocadas pela desigualdade, concentração de renda e pelo desrespeito ao homem do campo. O coordenador nacional da Brigada de Teatro do MST, Douglas Estevam, estará conosco neste domingo para falar sobre a importância que o MST dá a cultura e a arte como meios para alcançar a transformação social.

Douglas Estevam é formado em Direção teatral, História pela (UFFS) e Economia Política (Enff) e mestrando em Filosofia (USP), é membro do coletivo nacional de cultura do MST. Como coordenador de teatro participou do processo de formação com Augusto Boal. Também é co-organizador de Agitprop: Cultura Política, Lunatchárski: Revolução, Arte e Cultura e Teatro e Transformação Social.

Silvio Tendler, cineasta dos sonhos interrompidos e idealizador dos Estados Gerais da Cultura estará falando na abertura do encontro, o ator Eduardo Tornaghi, nosso mestre de cerimônia narrará Pensatas para refletir sobre o papel dos movimentos sociais e a importância deles numa comunidade, Janine Malanski mediará e a apresentação estará sob o ritmo de André Luís.

André Luís é violeiro, cantautor. Nordestino, traz no coração os ventos armoriais, mas veio buscar nas paisagens da Mantiqueira os tons definitivos de sua canção, inspirado no trabalho de grandes compositores como Tavinho Moura, Ivan Vilela, Fernando Guimarães, Paulim Amorim… Além das manifestações populares como a Folia de Reis.

Política, cultura e arte. MST na transformação social

Devido a problemas técnicos o evento foi transferido para uma outra data.

O MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) é um dos maiores e mais articulados movimentos sociais da América Latina. Sua história é de muita luta pela terra e tem origem nas injustiças provocadas pela desigualdade, concentração de renda e pelo desrespeito ao homem do campo. O coordenador nacional da Brigada de Teatro do MST, Douglas Estevam, estará conosco neste domingo para falar sobre a importância que o MST dá a cultura e a arte como meios para alcançar a transformação social.

Douglas Estevam é formado em Direção teatral, História pela (UFFS) e Economia Política (Enff) e mestrando em Filosofia (USP), é membro do coletivo nacional de cultura do MST. Como coordenador de teatro participou do processo de formação com Augusto Boal. Também é co-organizador de Agitprop: Cultura Política, Lunatchárski: Revolução, Arte e Cultura e Teatro e Transformação Social.

Contaremos também com a participação de Felinto Procópio, conhecido como Mineirinho, que fará a apresentação artística. Mineirinho é apaixonado pela viola e como integrante também do MST já alegrou muita festa por lá. Para ele, a paixão pela viola define-se assim: retrata o lúdico de forma poética, canta o sertão, a felicidade e a alegria de viver. “A viola caipira tá ligada à essência da vida, a reprodução da vida, na sua essência e na sua beleza.” Fonte: MST.org

Plataformas Culturais Territoriais: Espaços virtuais, Artistas e Agentes da Cultura

Plataforma Culturais e Territoriais é um projeto inovador que irá dar suporte digital a artistas, espaços e agentes culturais, na organização, geração de renda e valorização da arte. Uma plataforma que foi idealizada por dois pesquisadores do Laboratório de Engenharia da Universidade de Brasília, Joaquim Aragão e Yaeko Yamashita. Poderá transformar-se num catalisador das atividades artísticas por região e em consequência gerar renda, visibilidade e valorização da arte.

Na luta contra um governo acéfalo, que não reconhece a cultura e o seu importante papel na vida de um povo e no desenvolvimento de uma nação, o coletivo dos Estados Gerais da Cultura convidou Joaquim Aragão para falar sobre o projeto. Aragão pertence ao Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília.

O encontro no final de tarde de domingo contará também com a participação artística de Márcia kambeba, líder indígena, poeta e geógrafa.
Como poeta, adotou o nome indígena Wayna. Sua poesia mostra semelhanças com a  literatura de cordel e reflete a violência contra os povos indígenas e os conflitos trazidos pela vida na cidade.

Um debate que fará a diferença principalmente nesse momento tão sombrio que a cultura vive no Brasil. Para interagir e participar do bate-papo estará presente a Evelyn Orrico, que além de médica, bacharel em letras, mestre em Linguística pela URJ, é doutora em Ciência da Informação. As áreas de interesse de pesquisa são as relações entre memória, discurso e informação, assim como os seus variados meios de criação, validação e divulgação por diferentes mídias. 

“O futuro é algo que faz com que a gente não se comprometa com as coisas ao nosso redor”

Daniel Munduruku. Foto Maira Mago/2009 – Por “Isto é Independente”

Essa ideia do bem viver está muito presente nas populações indígenas. É um conceito que nasceu na América Latina e que tem a ver com a compreensão de um tempo circular, que vai construir um modo de existir que tem a ver com parentesco, o parente cuida do parente… Uma amiga pesquisadora chamou isso de “pedagogia do parente”: esse olhar pro mundo a partir da ideia de que nós somos parte de uma grande teia. Todos somos parte do mesmo mundo e temos que estar atentos para não destruir a teia. O sistema cosmológico que a gente entende existir.

“Hoje é domingo, domingo eu não choro, domingo eu não sofro… Se o amor quer me deixar, me deixe no domingo” – *Maria Bethânia interpretando composição de Roque Ferreira

Dormir na rede é uma filosofia. Levar uma vida mais coletiva. Os povos indígenas trazem um conhecimento tão importante para a gente tirar da vida experiências e sabedorias. Porque afinal de contas é o que mais interessa, nossa realização como ser humano, individual e coletivamente. Atentos e olhando pros lados, isso faz com que a gente não solte a mão de ninguém. E leve uma vida coletivamente mais digna

Assim são as placas que delimitam a Terra Indígena Sawre Muybu, dos Munduruku. Foto via Conexão Planeta

Um milhão de pessoas vivendo em contexto tanto de aldeia como urbanos. 305 povos, 274 línguas. Essa diversidade já foi muito maior. No século XVI éramos 5 milhões. Cerca de 1000 línguas. Quando chegaram os alienígenas. A História foi apagando a presença desses povos, suas vozes… Foram muito usadas. Sempre resistiram mas foram vozes vencidas. E a História acabou sendo contada pelo vencedor, pelo colonizador. Quem conta um conto, aumenta um ponto… A História do Brasil teve muitos pontos, quem contou, contou favoravelmente a si. Um grupo que vem fazendo manobras para sempre se manter no poder, silenciando outras vozes e toda vida, física e simbólica, que essas vozes carregam consigo.

Os povos indígenas aprenderam nos últimos 3 mil anos a olhar para o mundo e para si mesmos tentando dar respostas às angústias que todo ser humano tem.  Não são passivos. Têm uma consciência muito clara de que é preciso lutar para manter sua cultura porque ela que é contrária à visão maniqueísta ocidental que defende o egoísmo, a disputa, que a gente precisa progredir pra satisfazer a nós mesmos e acumular riqueza. Isso se dá por conta dessa visão de tempo que nós temos. Como cada povo pensa o tempo. É aí que mora a grande incompreensão sobre as sociedades indígenas.

O Tempo

Foto de Claudia Andujar. Mostra sobre Indígenas – especial Yanomami GaleriaI Inhotim foto via Pan-horamarte

O tempo ocidental é um tempo linear, que “anda pra frente”. O passado vale muito pouco, o presente é um corisco de um relâmpago. O que mais interessa ao mundo ocidental é o que ele não tem, é o que ele chama “futuro”. É o tempo do relógio, que sempre anda pra frente. Da riqueza, da produção, do acúmulo, o tempo de correr atrás do tempo. É o que nos ensinam nessa sociedade em que tempo é dinheiro.  Educamos a criança assim, Perguntamos às crianças: “O que você vai ser quando crescer?” Considerando que ela não é nada. Ela é um projeto. Se tornará algo se “for alguém na vida”, tiver um império, patrimônio, status social… Para chegar nisso, o Ocidente tem uma trajetória que ele vai estimulando, de formação, de corrupção das pessoas, “os fins justificam os meios”. Nós só podemos ser felizes amanhã. A escola de hoje é a escola que prioriza a ideia do futuro, do amanhã, o investimento que os pais fazem nos filhos. O futuro é algo que temos que colocar como objetivo, que temos que alcançar, e isso faz com que a gente não se comprometa com as coisas ao nosso redor.

O tempo indígena é o tempo circular. O tempo da natureza. E ela não anda pra frente. Ela anda sobre si mesma, “pra trás” nesse sentido. “Natura non facit saltus”. A Natureza não faz saltos. Ela não vive o tempo pensando no que vem pela frente. Ela vive o tempo onde ela está. O inverno não precisa ser outra coisa a não ser inverno. Ele não tem saudade do outono que se foi.  Os indígenas seguem a lógica do tempo da natureza. A partir desses olhares sobre a natureza. Ela não dá saltos. Ela precisa respeitar a si mesma para continuar existindo. Ela precisa viver plenamente o tempo, das estações, da reprodução… Os animais, as árvores, precisam de um tempo. E o indígena sabe que ele também precisa desse tempo. Ele vai percebendo que a natureza também organiza sua vida como se fossem estações.

A gente olha apenas o passado e o presente. Entre os indígenas não existe a palavra futuro. Eles nomeiam as coisas a partir da experiência vivida. Como não se experimentou o futuro, não existe uma palavra que o nomeie. Não existe essa ideia de futuro. Claro que cada povo tem a sua dinâmica de compreensão cosmogônica. Mas costuma ser assim. O passado é fundamental porque é o tempo da memória, é essa memória que vai dizer quem eu sou e o que eu faço nesse mundo. Sem apressar, sem querer dar salto, mas se percebendo parte da natureza. Uma visão que olha pra trás. É esse passado que nos impulsiona para frente, para aquilo que há de vir. O indígena nunca pergunta para uma criança sua, pois de antemão ela já sabe que essa criança não será nada, porque ela já é tudo o que ela deveria ser. Porque ela é criança, e precisa viver essa estação plenamente. Brincar.  Quando a uma criança indígena foi perguntado o que ela queria ser quando crescer, ela respondeu “avô”.

Educação

Claudia Andujar – Galeria Inhotim via site Pan-horamarte

A sociedade toda é educadora. Cabe aos pais e à sociedade oferecer todas as condições para que a criança seja plena, que o adolescente seja pleno, para que ela não sinta falta de ser criança e não seja um adulto antes da hora. Porque já já ela vai ter um rito de passagem.. Porque mais tarde ela será um pai e um avó que tenha vivido todas as estações para ser o conselheiro e o sábio de sua cultura. Que cada estação seja vivida com plenitude. Isso cria uma responsabilidade. Para que cada pessoa viva o seu presente.

Meu avô dizia sempre: “Se o momento atual não fosse bom, não se chamaria presente”. O presente como tempo e o presente como dádiva. Quando a gente ganha um presente nós temos a obrigação de usá-lo imediatamente. Os avós justificam que é o único momento que aquele que te ofereceu aquele presente vai ficar feliz de verdade, porque vai saber que você gostou do que recebeu. Cabe ao avô educar. E ele educa as crianças. Cabe educar o corpo das crianças, o princípio de sobrevivência: plantar, caçar, subir na árvore. E a educação do espírito. O que é isso? Dar sentido à existência.

No reino da natureza, o ser humano talvez seja o mais incompleto, todos os outros vieram completos, ele tem mais necessidade de dar sentido à sua existência. Como? Nas histórias narradas pelos ancestrais. A criança vai aprendendo o que fazemos nesse mundo e a resposta simbólica à existência é coletiva. Não se trata apenas dos indígenas brasileiros. Essa sabedoria está na constituição do ser humano. Desde que ele vai se compreendendo no mundo de acordo com o tipo de sociedade. 

Marco Temporal

Foto via site De olho nos ruralistas

O Marco Temporal é um instrumento legal que vai praticamente oficializar o genocídio das populações indígenas. Os indígenas estão lá em Brasília se sacrificando. O que afeta a Terra, afeta os filhos da Terra. Quando a gente não se considera filho, a gente olha a árvore e vê lucro, não vê um irmão. Essa sociedade cria essa tipo de entendimento sobre o território e vira um objeto, vira posse… Quando eles dizem “os índios são os verdadeiros donos do Brasil” eles usam essa mesma concepção cultural de posse. É uma forma de jogar a sociedade brasileira contra os povos indígenas. Essa luta indígena é para defender o território. O mundo todo está pedindo para o Brasil resgatar essa ancestralidade.  Não tem a ver com um tempo específico como querem os reguladores do Marco Temporal: “a terra é só para quem estava aqui em 1988…” Uma lei não pode estar acima da vida simbólica dessas populações.

Os indígenas são contemporâneos. Estamos aqui e agora. Muitas das incompreensões tem a ver com essa ideia que o indígena é escravo do passado, um ser atrasado, condenado a viver no passado. E a cultura é dinâmica. Está em constante transformação. Nós podemos sim utilizar todos os instrumentos que essa sociedade e a ciência tem e esse uso não nos torna menos indígenas. Podemos usar sem abrir mão da nossa ancestralidade. “Posso ser quem você é, sem deixar de ser quem eu sou”, como diria o movimento indígena ali nos anos 80. Nós precisamos revisitar e olhar o tempo inteiro para essas ideias de indígenas que foram colocadas dentro da gente. Foram criados dois índios dentro da gente que a gente não consegue se libertar com facilidade.

Esterótipos

Claudia Andujar – Galeria Inhotim

Um é o índio romântico. Do dia 19 de abril. Celebrado nas escolas. O índio do século XVI. Fictício. O índio vira folclore, porque é pensado na memória a partir de um tempo. E ele ficou preso nesse tempo como um personagem. Essa ideia do índio folclorizado é uma ideia que é repetida à exaustão na nossa sociedade e que acaba fazendo morada no coração das pessoas graças ao trabalho da narrativa dos vencedores que foi se impondo e acabou se estabelecendo na gente como uma tatuagem ancestral que está dentro da gente.

A outra visão é mais ideologizada. De que índio é preguiçoso. Que tem muita terra e não sabe o que fazer com ela. Que índio bom é indio morto. Para justificar junto à opinião pública porque não precisa demarcar as terras indígenas… Porque precisa fazer eles se tornarem “civilizados”, como diz atual o presidente ressuscitando uma ideia que é muito forte no inicio dos anos 70 “de que os índios precisavam se tornar brasileiros para terem direito à cidadania”. Tem a ver com uma politica integracionista que vem sendo ressuscitada para justificar a falta de política ambiental que seria a não demarcação do território.

Essa visão ideologizada da desqualificação, e a do índio idealizado, vivem muito dentro da gente. Ela não está falando de um índio que é o seu contemporâneo. Quantas vezes eu ouvi “eu esperava um outro índio” quando chegava para dar minhas palestras. Um índio que foi pra universidade, fez doutorado… “Ah, então ele não é mais índio de verdade, ele é um dos nossos, ele se modernizou!”. As pessoas não se dão conta que estão pensando como um colonizador, que elas aceitaram esse pensamento colonizador.

Grande Teia

No meu livro “Catando piolhos, contando histórias”, quando eu me refiro a essa ideia de catar piolho,  é uma proposta de pedagogia porque catar piolho é uma forma de trazer a cabeça pra junto do seu peito. E você só dá a sua cabeça a quem você confia. É também uma forma de interação com quem a gente aprende a confiar e crescer junto. Sem precisar que as riquezas sejam individuais. Uma ideia do coletivo que se realiza quando todos têm abundância. Quando todos podem correr, ter um rio, uma casa… Uma educação da acolhida, do respeito, do coletivo. Não quer dizer que os indígenas são perfeitos. Eu estaria fazendo a mesma afirmação daqueles que pensam o índio como sendo o bom selvagem que vive no paraíso.  Porque onde tem gente, tem conflito. Estou dizendo que essa populações encontraram um jeito próprio de resistir, um sistema próprio para resolver esses conflitos. Relações de crença, espiritual, social, política também.  A história do índio genérico, como sendo uma coisa só, também tem que ser combatida. Nós somos diferentes uns dos outros. Mas temos pontos em comum como a ideia de que somos parte de uma mesma teia da vida.

Você pode encontrar a obra “Catando piolhos, Contando histórias” através desse link, Livraria Maraca assim como outras obras do escritor com 20 anos de produção e de outros autores indígenas

Ideias de Daniel Munduruku editadas pela cineasta Maria Rita Nepomuceno, que é integrante do coletivo Estados Gerais da Cultura e atua na área de criação e curadoria em audiovisual.

Reflexões sobre Formação Política por uma Democracia Participativa

Individualmente, somos um composto de saberes e ignorância derivados da cultura daqueles grupos aos quais pertencemos. Tudo que sabemos e conhecemos como verdades e incertezas nos foram transmitidos culturalmente por nossas sociedades.

Xilogravura de J. Borges. Foto via Instagram oficial do artista pernambucano J.Borges – Brasilidade Invade Sua Casa

Por que somos animais gregários – seres gregários? Na diferença genética, somos diferentes, porque somos superiores? E somos humanos como seres sociais. Mas porque somos sociais, somos resultado de nossos grupos de convivência, i.é, somos interdependentes como resultado de nossa vivência cultural. E, por isso, individualmente, somos um composto de saberes e ignorância derivados da cultura daqueles grupos aos quais pertencemos.

Então aquela estória de meritocracia não procede e nem se sustenta cientificamente, né? Tudo que sabemos e conhecemos como verdades e incertezas nos foram transmitidos culturalmente por nossas sociedades.

A superioridade cognitiva da espécie humana desde o homo sapiens na sua vivencia errante de erros e acertos produziram grandes descobertas. Mas a genialidade dessas descobertas não é exclusiva de seus criadores. Sempre foram resultados da evolução política cultural de suas sociedades, em constante transformação. Isto é porque cultura é política e sempre será. Então, aquela soberba e arrogância de suposto saber são sempre relativas, porque dialeticamente o tal saber não pode ser absoluto. E, portanto, traz em si a ignorância no balanço contraditório das certezas e incertezas.

Ora, diria eu: então o “saber científico” pode pasteurizar o “saber empírico” por suposta superficialidade e erro? Não, nos revela o materialismo histórico: todos nós temos saberes e ignorância, que na sua oralidade política cultural nos tem sido transmitidos como conhecimentos tradicionais. E, é para alguns recalcitrantes da oralidade do saber, como saber primitivo.

Como entender a complexidade da nossa sociedade sob um sistema capitalista, sem contestar esse saber ideologizado de dominação de classe, opressão, desigualdade, miséria e morte? Coloquialmente, “baixando a bola” e depois nos “dedos da palma da mão” a formação o edus de educar deve ser, antes de tudo, questionadora, insurgente, conscientizadora, emancipadora e libertadora.

Os Grandes Pensadores do materialismo histórico e sua dialética em evolução ponderaram que, apesar das incertezas, nosso processo de conscientização deve se pautar na observação rigorosa das contradições sociais, evitar sua superficialidade e buscar o concreto de suas causas e efeitos para sua compreensão e transformação pela liberdade, igualdade e fraternidade.

Então, como criar um grupo de formação política sem considerar essas individualidades do animal gregário que somos? É fundamental que isso seja posto em prática, porque nessa prática de luta transformadora, há confrontos e troca de saberes dessa vivência de cada participante na sua expressão oral ou escrita pautada na sua prática política, sua maneira de viver e ser para sua transformação compartilhada para a consolidação dessa formação política gregária.

É um erro pensar e propor grupos de trabalho herméticos, fechado no pequeno de seu saber, sem capilaridade e intercambio com outros grupos de trabalho de cultura, comunicação e ação política, porque todos são interdependentes e constituem a cultura política do grupo maior, núcleo e ou partido político.

Flavio W. Lara

Rio de Janeiro, 1º de junho de 2021

Flávio W. Lara integra a equipe dos Estados Gerais da Cultura, é ativista político e tem experiência em projetos social e ambiental. Atualmente trabalha como voluntário no complexo da Penha, Rio de Janeiro, presta consultoria e colabora com o Instituto Mirico Cota, no Baixo Tocantins (na áreas de engenharia econômica e tecnologia de recursos e produtos florestais).

Culturas populares: um Brasil profundo

Os Estados Gerais da Cultura convidam para uma conversa com agentes culturais, artistas e pesquisadores do diverso e complexo campo das culturas populares no Brasil. O encontro acontecerá no domingo, dia 9 de maio, às 17h pelo canal do Youtube e FB.

Rejane Nóbrega (PB) apresentará um breve mapa das expressões e saberes tradicionais brasileiros e um histórico das políticas públicas para o campo das culturas populares no século XXI. Joana Corrêa (MG) abordará as singularidades de linguagens e cosmologias que o campo das culturas populares abarca. Rosildo Rosário (BA) trará perspectivas de afirmações Identitárias a partir das expressões populares. E Isaac Loureiro (PA) falará sobre a importância das políticas públicas para as culturas populares e o patrimônio imaterial, e o cenário atual de destruição dessas políticas pelo governo Bolsonaro.

Durante o encontro também serão exibidos alguns vídeos que homenageiam mestras, mestres, detentores e grupos relacionados aos saberes e expressões da cultura popular.

Rejane, Joana, Rosildo e Isaac se conheceram como militantes que apoiaram a construção de políticas públicas para as culturas populares em âmbito federal durante a gestão do Ministério da Cultura de Gilberto Gil e Juca Ferreira.

Isaac Loureiro

Pesquisador e ativista das culturas populares tradicionais amazônicas, educador popular, produtor cultural, consultor técnico na área de gestão cultural, membro da Irmandade do Carimbó de S. Benedito de Santarém Novo/PA, produtor do grupo de Carimbó “Os Quentes da Madrugada”, integrante do Comitê Gestor da Salvaguarda do Carimbó, coordenador da Campanha Carimbó Patrimônio Cultural Brasileiro – movimento protagonizado pelos grupos e comunidades carimbozeiras do Pará que conquistou o registro do Carimbó como Patrimônio Imaterial Nacional. Atuou como coordenador regional na Rede Ação Griô Nacional e na Rede Nacional das Culturas Populares.

Joana Corrêa

Gestora cultural e doutora em antropologia. Foi uma das idealizadoras do Museu Vivo do Fandango, reconhecido pela Unesco como boa prática na salvaguarda de bens imateriais. Atualmente integra a equipe de gestão do Instituto Milho Verde (Serro) e atua como pesquisadora do processo de registro do Choro como patrimônio cultural brasileiro (Acamufec e CNFCP/IPHAN) É pesquisadora do núcleo de estudos Ritual e Sociabilidades Urbanas (PPGSA/UFRJ) e participa dos grupos de pesquisa acadêmica Observatório de Festas na Pandemia, Observatório de Patrimônio Cultural no Sudeste, MinasMundo e Mukuá – Laboratório sobre Vissungo.

Rejane Nóbrega

Gestora, militante e ativista cultural, pesquisadora das culturas tradicionais e populares brasileiras; arte educadora. Licenciada em Artes Visuais (FAP/PR); foi assessora de cultura da Comissão de Educação Cultura da Câmara dos Deputados; Assessora Especial da Secretaria da Cidadania e Diversidade Cultural do MinC; Assessora da Secretaria de Cultura de SP; Diretora de Cultura de Campo Largo, PR; Assessora Especial de Cultura de Conde, PB.

Rosildo Rosário

Mestre do Grupo Cultural Chegança dos Marujos Fragata Brasileira, Professor, Pedagogo, Mestre em História da África da Diáspora e dos Povos Indígenas (UFRB). Atua como professor nas redes municipais de ensino das cidades de Santo Amaro e Saubara no Recôncavo da Bahia. Atuou como mediador cultural na implementação do Plano de Salvaguarda do Samba de Roda, sendo o primeiro. Coordenador Geral da Associação dos Sambadores e Sambadeiras do Estado da Bahia. Coordenou o Processo de Patrimonialização dos Grupos de Cheganças, Marujadas e Lutas entre Mouros e Cristãos da Bahia. Atualmente é membro do Conselho Estadual de Cultura do Estado da Bahia.

A precarização do ensino é uma guerra contra as classes populares

Lucília Machado

É fundamental fortalecer essa capacidade de reflexão e de juízo crítico. Pra isso é necessário implementar projetos democráticos, inclusivos e plurais. Coisa muito distante do que o atual Ministério da Educação está providenciando

O atual contexto brasileiro é muito adverso à educação, à cultura, à ciência e ao conhecimento. É um contexto que conta com a co-participação e a cumplicidade do Ministério da Educação e com a negligência dos impactos negativos da pandemia da COVID-19 sobre a educação brasileira. Haja visto a negação para comprar os laptops, instalar as internets para que os alunos brasileiros pudessem acompanhar a escolarização nesse período de recolhimento.

A origem desse quadro é uma ofensiva ultraconservadora, da chamada “guerra cultural”, de que faz parte o movimento chamado “escola sem partido”. E há um falatório sobre o mal desempenho dos alunos das escolas públicas que legitima a intromissão das Fundações e Institutos ligados a bancos e empresas com seus pacotes educacionais visando o que eles chamam de “melhorar a educação brasileira”.

A política desse movimento é de negação da ciência, das artes e da cultura. É um discurso agressivo a tudo o que a ultradireita diz ser “doutrinação ideológica”, tudo o que ela interpreta como “ideologia de gênero”, “marxismo cultural”, “globalismo”… Hostilidades contra segmentos da população por conta das suas identidades de gênero, religiosa. Ataque aos direitos humanos. Intimidações milicianas, incluindo violências físicas contra opositores, perseguição aos estudantes, aos professores.

Recentemente o próprio ministro da educação disse que hoje nós temos estudantes brasileiros que com 9 anos de idade não sabem ler mas eles sabem colocar uma camisinha. Isso não é de forma alguma uma forma de um ministro da educação se colocar. É um vexame. Além de ser um desrespeito com as nossas crianças. É uma pregação cuja intenção é de fato solapar a confiança na escola, suas relações internas e também externas, com os pais e a comunidade, para implantar o que eles acham que é certo, que é a chamada ‘home schooling’, que é a escola familiar.

A reforma do ensino médio é um exemplo da simplificação da educação, em que sociologia e filosofia foram sacrificadas em termos de carga horária.  No que se refere à política nacional de livros didáticos, o que a gente está assistindo é a censura. As editoras estão sendo compradas por grandes corporações em conluio com essa política. É uma articulação em nível mundial, não é só aqui no Brasil, nós apenas estamos dentro desse contexto. Atrás do Ministério da Educação tem as investidas de empresários, políticos, militares, especialistas articulados por gabinetes estratégicos como o chamado “gabinete do ódio”.

O que esse pessoal todo tem em comum? Uma reação aos poucos avanços educacionais que foram alcançados pela sociedade brasileira nas últimas duas décadas, e a defesa dos privilégios de uma minoria que quer a todo custo manter as camadas populares sem acesso ao conhecimento.

Lembram o que Paulo Guedes disse quando o dólar estava a R$1,80? “Ah, uma festa danada! Empregada viajando pra Disneylandia”. Lembram quando ele disse: “atualmente as pessoas estão vivendo até os 100 anos, o Estado não dá conta de arcar isso”? E com relação ao FIES – Fundo de Investimento ao Estudante do Ensino Superior – o que ele disse “que filho de porteiro está entrando na faculdade”.

É um poder político reacionário sustentado pelo capital transnacional que mobiliza as velhas classes médias, temerosas da mobilidade social das camadas populares. Mobiliza também setores privilegiados dos trabalhadores, principalmente masculino e branco, que não querem perder seus espaços no mercado de trabalho. É uma cultura neofascista, caracterizada pela ideia de supremacia racial e/ou cultural, xenofobia, homofobia, intolerância religiosa, ataque também aos povos originários… É realmente a banalização da violência, simbólica e com fascínio pela dominação.

A educação é atingida por esses valores. Nós democratas aprendemos e a crer e a defender que o estado deve prover aos cidadãos os seus direitos sociais e que todo direito social é uma classe dos direitos humanos. Tá lá na Declaração Universal que foi promulgada pela ONU em 1948.  Só que a realidade brasileira de hoje, e mesmo a mundial, tem se mostrado contrária à efetivação desses pressupostos.

A PL 5595/20 que considera a educação como atividade essencial, a educação presencial, intimando portanto a volta às aulas, sem condições sanitárias que garantam a segurança da saúde das pessoas. Esse entendimento da educação como uma atividade essencial tá relacionado com o fato da Organização Mundial do Comércio ter definido a educação como um gênero de serviço: uma mercadoria, assim como agora tudo tá virando mercadoria. E o aluno passou a ser o quê? Um cliente. Enquanto os cursos ministrados são tratados como produtos que têm que estar em sintonia com as demandas do mercado. Uma lógica que atende ao interesse do setor privado e as fundações, institutos, editoras, que se colocam como tutoras das escolas públicas, estão tomando a educação como atividade essencial dentro de um sentido ligado a esses interesses mercantis. E essa palavra “essencial” vem como um ardil pra impor esses interesses dominantes.

E a motivação disso não é considerar a educação como atividade essencial tal qual nós pensamos a essencialidade dela. É lógico que a gente entende que a COVID-19 está trazendo um enorme prejuízo pras nossas crianças e jovens em relação à educação, só que essa PL 5595 quer reativar a economia a todo custo para quê? Para fazer circular as mercadorias e continuar a máquina da produção dos lucros.

O Ministério da Educação promove regressões e constrangimentos aos educadores, estudantes e escolas em geral, restaurando concepções arcaicas e irracionais mesmo no plano das ciências da natureza, como uma forma de banalizar a ignorância. Tudo no sentido de conformar os alunos a serem consumidores dispostos a colaborar com esse reinado do mercado.

Há um trecho do livro do Lukács “Introdução a uma estética marxista” em que ele narra os apaixonados conflitos em torno da teoria de Copérnico que levaram Giordano Bruno à fogueira e Galileu à inquisição. Se a  ciência deve ou não ter o direito de investigar sem preconceito todas as coisas, mesmo que os seus resultados não concordem com os dogmas da religião – são  discussões ideológicas entre o feudalismo caduco e a burguesia ascendente. Atualmente é semelhante ao que Lukàcs coloca.

São processos que se mostram necessários para responder ao aprofundamento da crise capitalista em esfera mundial. Estamos vivendo situações limites em que essas agressões também se estendem ao planeta: o desmatamento, os efeitos nocivos de monoculturas, a problemática das guerras… E nesse contexto grave vem os problemas do mundo do trabalho com a reforma trabalhista de 2017, a produção do desemprego com o sentido perverso de fazer com que os trabalhadores se submetam a condições precaríssimas de trabalho e a não reagirem à liquidação da legislação protetora do trabalho. Então toda a sociedade entra em crise. O trabalho entra em crise. Então tudo isso faz o quê? A educação entrar em crise, a cultura entrar em crise, o direito ao conhecimento entrar em crise.

Porque a educação pressupõe uma relação muito próxima com o mundo do trabalho: “formar” as pessoas. Como é que a gente forma os jovens para esse contexto? A crise social fortalece essa política anti-cultura, anti-educação, do Ministério da Educação. Para esses trabalhadores basta fornecer saberes utilitários descartáveis, apoiados em evidências rotineiras, adaptados para contexto tecnológicos muito delimitados, e de rápida obsolescência. A precarização do ensino é acompanhada pela expansão do ensino à distância. Com isso as grandes firmas de tecnologia podem obter seus lucros e o estado também poupa porque pode dispensar uma série de professores. Os conteúdos são alvo. As humanidades são as mais prejudicadas. Mas as ciências da natureza também são atingidas.

A questão do currículo também está dentro de um contexto em que é preciso para o neofascismo destruir formas críticas de pensar, e fazer com que o ensino e aprendizagem da massa dos alunos das camadas populares seja o ensino da ignorância, a diminuição da  qualidade civilizatória das gerações, a destruição da escola é que está em jogo e de todas as formas possíveis.

O direito à cultura e à educação é fundamental para priorizar a resistência a essa destruição social.  Educar por meio do juízo crítico. Oferecer bases científicas sólidas, capacidade argumentativa, enfim desenvolver a capacidade da resistência intelectual às manipulações midiáticas. O exemplo das fake news é cabal. As pessoas são manipuladas por essas estratégias. É fundamental fortalecer essa capacidade de reflexão e de juízo crítico. Pra isso é necessário implementar projetos democráticos, inclusivos e plurais. Coisa muito distante do que o atual Ministério da Educação está providenciando. Enquanto protegem um determinado setor educacional destinado a formar elites científicas, técnicas, gestionárias, onde os filhos dos porteiros, das empregadas domésticas, e dos trabalhadores em geral, não podem entrar.

Está muito evidente a estratégia de rebaixar moralmente todos os que ensinam. A ideia deles é reeducar os professores pois os professores precisam aprender a trabalhar de outro modo. Militarizar as escolas. Fazer as parcerias com os empresários. Ao lado do corte de orçamento, que agora se tornou muito mais forte. É um projeto. Um projeto de política educacional de liquidação do direito ao conhecimento para a produção de pessoas com conhecimentos precários. É uma guerra contra as classes populares.

Edição/resumo feito por Maria Rita Nepomuceno sobre o depoimento da Prof. Lucília Machado, durante o encontro ‘O direito ao conhecimento e a anticultura no Ministério da Educação’. Maria Rita atua na área de criação e curadoria em audiovisual e apoia os Estados Gerais da Cultura.

 Lucília Machado é pós-doutora em Sociologia do Trabalho, doutora e mestre em Educação, graduada em Ciências Sociais, é professora titular aposentada da UFMG.